4 de julho de 2025
Politica

Desembargadora que processou Zero Hora por divulgar seu salário já criticou indevida censura em voto

Anos antes de processar o jornal Zero Hora, do Grupo RBS, por divulgar sua remuneração de R$ 662 mil, a desembargadora Iris Medeiros Nogueira, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, votou para absolver uma emissora de televisão em uma ação semelhante.

O processo que motivou o voto da desembargadora foi movido por um ex-vereador, que na época era presidente da Câmara Municipal de Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre.

Em 2013, ele processou uma emissora de TV, depois de dar entrevista defendendo um projeto de lei para aumentar os salários dos vereadores, secretários municipais e do prefeito da cidade, sob a justificativa de “diminuir o ímpeto das pessoas que querem mais”. 

Na época, o apresentador do programa vestiu orelhas de burro. No estúdio, a produção tocou a música “se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão”.

O presidente da Câmara de Cachoeirinha alegou que sua honra foi ofendida e pediu indenização por dano moral. Iris discordou. Em seu voto, a desembargadora argumentou que “a crítica teve contornos ásperos, agressivos e inegável a picardia e malícia na reportagem”, mas “não extrapolou os limites do tolerável”.

A magistrada também defendeu que o objetivo da reportagem foi “informar a população acerca dos aumentos dos salários do legislativo e executivo, questão de precípuo interesse público”.

“Ao meu entender, julgar diferente, em hipótese como a dos autos, poderia significar indevida censura na atividade jornalística, apenas porque realizada de forma cômica ou humorística, como no caso”, defendeu Iris na qualidade de relatora do caso.

Iris Medeiros Nogueira foi presidente do Tribunal gaúcho; desembargadora processou jornal por divulgar sua remuneração acima do teto.
Iris Medeiros Nogueira foi presidente do Tribunal gaúcho; desembargadora processou jornal por divulgar sua remuneração acima do teto.

No ano passado, a magistrada deu entrada em uma ação por dano moral contra o Zero Hora e a jornalista Rosane Oliveira, colunista de política no jornal, pela divulgação de sua remuneração em abril de 2023, quando o contracheque bateu R$ 662 mil.

Iris alegou na ação que a repercussão negativa “reverberou para outros meios de comunicação e na sociedade” e que o jornal excedeu “os limites do dever de informação e de crítica”.

As informações sobre os vencimentos de juízes e desembargadores são públicas. Desde 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra e fiscaliza o Poder Judiciário, obriga os tribunais a divulgar a remuneração dos magistrados.

Na primeira instância, a juíza Karen Rick Bertoncello, da 13.ª Vara Cível de Porto Alegre, condenou o jornal. A magistrada afirma na sentença que, “ainda que as informações divulgadas sejam públicas e verídicas”, a forma como foram tratadas, “com linguagem sarcástica e direcionada”, e o “contexto de exposição” configuram “abuso de direito”.

O jornal recorreu. Em apelação ao Tribunal de Justiça, o Zero Hora argumenta que foi punido pela publicação de informações verdadeiras e que há interesse público na divulgação dos pagamentos à desembargadora, argumento semelhante ao que Iris usou para absolver a emissora de TV em 2013.

O jornal defende ainda que o uso de “tom crítico” para narrar fatos verdadeiros não é suficiente para gerar indenização. “Reportagens que seguem essa linha de escrita são lícitas e estão protegidas pela liberdade de imprensa”, afirma em seu recurso.

 

 

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