13 de julho de 2025
Politica

Ministros do STF raramente divergem; veja o que influencia nas vezes em que há discordâncias

As recentes divergências do ministro Luiz Fux nos julgamentos do ex-presidente Jair Bolsonaro e nas penas aplicadas aos condenados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro são exceção no Supremo Tribunal Federal (STF).

Levantamento realizado por pesquisadores do Insper e da Universidade de Southampton, no Reino Unido, revela que 90% das decisões tomadas pelo colegiado do STF são unânimes. O resultado foi obtido analisando 2,3 milhões de votos proferidos pelos ministros desde 1988.

Entre os fatores que ajudam a explicar as discordâncias, que somam apenas 10% do universo de decisões analisadas, estão a visibilidade do julgamento, a trajetória profissional dos magistrados e até a ordem de votação — elementos institucionais e contextuais, que vão além das motivações puramente jurídicas.

O levantamento considerou todas as decisões colegiadas tomadas no STF, incluindo julgamentos no plenário físico, onde os 11 ministros se reúnem com debate em tempo real, seja presencialmente ou por videoconferência; nas turmas, compostas por cinco ministros e responsáveis por casos específicos, especialmente na área penal; e no plenário virtual, em que os votos são inseridos no sistema eletrônico, sem interação direta entre os magistrados.

Divergências de avaliação em decisões colegiadas do STF, como as apresentadas pelo ministro Fux recentemente, são raras dentro da Corte
Divergências de avaliação em decisões colegiadas do STF, como as apresentadas pelo ministro Fux recentemente, são raras dentro da Corte

Para Diego Werneck e Ivar Hartmann, professores do Insper e autores do estudo, os resultados indicam que a discordância entre os ministros não decorre apenas de convicções jurídicas, mas também de elementos simbólicos, institucionais e contextuais, muitas vezes invisíveis ao público.

“As pessoas tendem a imaginar que os ministros concordam ou discordam apenas com base em suas posições jurídicas, mas o estudo mostra que o ambiente institucional, como o formato da sessão ou o nível de exposição pública, influencia diretamente esse comportamento”, diz Werneck.

Efeito TV

Um dos primeiros elementos identificados que aumentam a chance de discordância é a visibilidade, intensificada com a transmissão ao vivo das sessões pela TV Justiça, criada em 2002, durante a presidência do ministro Marco Aurélio.

Estudo mostra que ministros do STF tendem a divergir mais quando sabem que estão sendo acompanhados pelo público
Estudo mostra que ministros do STF tendem a divergir mais quando sabem que estão sendo acompanhados pelo público

Para Werneck, os ministros tendem a divergir mais quando sabem que estão sendo acompanhados pelo público, já que a visibilidade estimula a afirmação de posições individuais e a construção de discursos próprios, um comportamento que é suavizado em ambientes mais restritos aos olhos do público, como o plenário virtual.

Como exemplo, o jurista cita os embates durante o julgamento do mensalão entre o relator Joaquim Barbosa e os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. “Naquela ocasião, os ministros passaram a ser muito mais conhecidos pela população, e suas decisões começaram a ser debatidas. Eles perceberam como o que diziam repercutia publicamente”, diz.

Outro ponto destacado por Hartmann é o impacto da carreira prévia dos ministros. A expectativa inicial era de que os indicados oriundos da magistratura fossem mais cautelosos e, por isso, tivessem menor propensão a divergir dos colegas. Mas os dados mostram o contrário: juízes de carreira têm quase o dobro de probabilidade de divergência no plenário físico em comparação com ministros oriundos de outras áreas. “Os juízes de carreira divergem mais e não chegamos a conclusão definitiva que explique isso”, resume Hartmann.

Fux é um exemplo dessa tendência. Com trajetória como juiz antes de assumir uma cadeira no STF, o ministro vem se destacando pelas discordâncias manifestadas nas últimas semanas. Ele divergiu no julgamento da ação penal contra Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e questionou o tamanho das penas aplicadas aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, como no caso de Débora dos Santos, que ficou conhecida por pichar com batom a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça em frente ao Supremo.

A ordem dos votos dos ministros também pesa na probabilidade de discordância. Pela regra, os mais novos votam primeiro e os mais antigos, por último. Werneck explica que, quando a maioria já está formada, há um desestímulo natural para quem vota por último discordar. “A tendência é que o ministro evite romper com o consenso que já se estabeleceu, o que ajuda a entender por que tantos julgamentos acabam sendo unânimes”, afirma.

Mais uma particularidade que influencia diretamente esse padrão é o formato da sessão. Como mostrou o Estadão, a probabilidade de discordância entre os ministros é 50% menor no plenário virtual do que no plenário físico.

Além desses fatores, a pesquisa identificou ainda que a complexidade dos casos e o perfil ideológico dos ministros influenciam a probabilidade de voto divergente.

O pesquisador Shandor Torok avalia que, em uma Corte como o STF, é esperado que aspectos como o contexto político e a orientação ideológica dos ministros influenciem, em alguma medida, as decisões, dado o grau de complexidade dos casos que envolvem a interpretação de princípios constitucionais amplos, como igualdade e liberdade.

O que considera preocupante, no entanto, não é essa influência em si, mas os episódios em que os ministros extrapolam os limites da interpretação jurídica e passam a adotar entendimentos que desconsideram até mesmo o texto da norma.

“O problema é quando o ministro diz que o ‘sim’ quer dizer ‘não’. Aí não é mais interpretação, é vontade”, afirma.

 

 

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