O que pode prejudicar a candidatura de Ricardo Nunes ao governo de São Paulo?
A eventual candidatura de Ricardo Nunes (MDB) ao governo paulista no ano que vem esbarra em um efeito colateral incômodo para partidos da base: deixar a Prefeitura de São Paulo nas mãos do vice-prefeito, o coronel aposentado Ricardo Mello Araújo (PL). Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sem vínculos com outras lideranças políticas, Mello é visto com desconfiança por integrantes da administração paulistana e dirigentes partidários.
O temor é que, uma vez no cargo, Mello Araújo imploda a coligação que garantiu a reeleição de Nunes, iniciando uma reforma administrativa que leve à demissão de secretários e funcionários ligados aos partidos aliados.
Procurado, Mello Araújo não respondeu. O espaço segue aberto.

Aliados do prefeito dizem que ele não acredita em mudanças e considera que Mello não teria motivos para trocar uma equipe que entrega bons resultados e conhece a cidade.
Dois presidentes de siglas da base disseram ao Estadão que, sem garantias de espaço no futuro governo, há risco real de que as legendas que hoje estão com Nunes não embarquem na sua candidatura ao Palácio dos Bandeirantes. Além do MDB, PL, PP, União Brasil, PSD, Podemos e Solidariedade têm indicados na Prefeitura.
A Prefeitura de São Paulo, em nota, se manifestou somente sobre uma crítica do advogado bolsonarista Fabio Wajngarten, que reclamou da falta de divulgação das ações do vice-prefeito na Cracolândia (leia mais abaixo). Segundo o Executivo, diversas secretarias atuam no local e o processo que levou ao esvaziamento começou em 2021 – Mello Araújo tomou posse como vice no início deste ano.
A falta de apoio dos partidos de centro e de direita poderia inviabilizar politicamente Nunes como sucessor de Tarcísio de Freitas (Republicanos) no Palácio dos Bandeirantes. O prefeito enfrenta a concorrência do presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, André do Prado (PL), e do presidente do PSD e secretário estadual de Governo, Gilberto Kassab (PSD).
Para evitar esse cenário, a avaliação é que Nunes e o vice precisariam chegar a um acordo sobre como ficaria a divisão das secretarias com a troca no comando da prefeitura.
Quando questionado por aliados, Mello nega que tenha intenção de promover mudanças profundas no secretariado caso assuma a Prefeitura. Ainda assim, enfatiza que não compactua com irregularidades e não hesitaria em agir diante de qualquer suspeita, reforçando que “não se vende” a nenhum partido. A interlocutores, o vice costuma repetir que trabalha com “qualquer um, desde que a pessoa seja honesta e queira trabalhar”. Também diz acreditar que o ex-presidente Jair Bolsonaro conseguirá ser candidato a presidente.

Um membro do PL reconhece que o vice-prefeito causa desconforto entre políticos tradicionais e que, uma vez no cargo de prefeito, deve reforçar seu estilo independente de atuar. A avaliação é que há margem para composições no pós-Nunes, embora afirme que ficará “muito surpreso” se Mello topar conversar com políticos cujos nomes já estiveram envolvidos em investigações.
De olho no Bandeirantes
Nos corredores do Edifício Matarazzo, aliados de Nunes já falam abertamente sobre sua possível candidatura ao governo paulista, embora ela dependa ainda de um movimento anterior: a entrada de Tarcísio na disputa presidencial, o que segue incerto. Se decidir concorrer, Nunes terá de renunciar ao cargo no início de abril, o que deixaria Mello Araújo no comando da capital por mais de dois anos e meio.
Ex-comandante da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo entre 2020 e 2023, Mello Araújo nunca ocupou um cargo eletivo antes e foi alçado ao posto de vice por indicação de Bolsonaro, a contragosto de Nunes. Com seis meses de gestão, porém, os dois se aproximaram e hoje mantêm uma boa relação. Nunes assegurou uma estrutura mínima ao vice — cargo que ele já ocupou antes de assumir a capital — e deu espaço a Mello para tocar projetos próprios.
Por livre escolha, Mello Araújo mantém um núcleo enxuto de assessores e recusou cargos tradicionais de gabinete, como o de assessor de imprensa. Quando questionado sobre a opção, ele diz que demanda apenas o necessário e que respeita o dinheiro do contribuinte. Mesmo com poucos nomes de confiança ao seu redor, o vice é descrito por funcionários da Prefeitura como educado, gentil e de bom trato — embora muitos ainda o considerem politicamente inexperiente para comandar uma cidade como São Paulo.
Apesar de manter contato frequente com Nunes e ser considerado alguém disciplinado, Mello não é visto como alguém que o emedebista conseguiria tutelar à distância. Uma prova do estilo independente do vice é que logo no início da gestão houve uma tentativa de vinculá-lo a uma área específica, como a secretaria de Segurança ou de Transportes, mas ele recusou ficar amarrado a um tema, justificando que não foi eleito para tal.
Hoje, Mello Araújo toca projetos próprios na Prefeitura. Um deles é a criação de bolsões de estacionamento e jardins de chuva sob o Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão. A medida, alvo de críticas da oposição, foi implementada durante o período em que ele esteve como prefeito em exercício, mas já havia sido discutida com secretários e endossada por Nunes. O vice-prefeito pretende agora expandir o projeto por toda a extensão do elevado, incluindo também pontos de táxi e bicicletários
Outras duas iniciativas com a digital Mello devem sair do papel em breve: a atividade delegada para policiais militares formados em educação física darem aulas para crianças no contraturno escolar e a reforma dos equipamentos esportivos da Academia de Polícia Militar do Barro Branco para uso de estudantes de escolas públicas da região.
Apesar das iniciativas e da boa relação com Nunes, parte dos bolsonaristas acredita que a atuação de Mello Araújo não é divulgada como deveria pela Prefeitura. Aliado de Bolsonaro, Fábio Wajngarten escreveu nas redes sociais que o trabalho do vice-prefeito na Cracolândia, outra tarefa assumida pelo ex-coronel, é “digno de documentário” – houve esvaziamento da Rua dos Protestantes, onde havia maior concentração de usuários de drogas, mas há relatos de espalhamento para outros pontos da cidade.
Agradeço a consideração.
— Coronel Mello Araujo (@melloaraujo10) July 3, 2025
Em nota sobre a mensagem de Wajngarten, a Prefeitura afirmou que o esvaziamento da Cena Aberta de Uso, nome técnico para descrever a Cracolândia, começou há mais de quatro anos.
“Trata-se de um trabalho intersecretarial que envolve milhares de agentes de diferentes áreas, como saúde, segurança e de assistência social, em parceria também com órgãos estratégicos do governo do Estado e também do Ministério Público”, diz o texto, acrescentando que nos últimos dois anos 527 traficantes foram presos em operações com a participação da com a Guarda Civil Metropolitana (GCM).
Pessoas próximas ao coronel aposentado relatam que, desde que assumiu como vice, Mello Araújo mandou exonerar cerca de dez funcionários e determinou o fechamento de centros de atendimento a usuários de drogas que estariam de portas abertas apenas no papel. Correligionários afirmam que as demissões ocorreram por suspeitas envolvendo os servidores, mas Mello nunca detalhou do que se tratava.
Três demissões ocorreram durante o curto período em que Mello assumiu a Prefeitura em abril quando Nunes viajou para a Ásia. Integrantes de partidos da base citam esse caso como um exemplo do que poderia acontecer caso o vice sente definitivamente na cadeira de prefeito. Quando comandava a Ceagesp, o coronel aposentado também exonerou funcionários ligados a políticos, sob a justificativa de que não compareciam ao trabalho.