O Brasil, o diesel russo e sanções
Verificar qual é a origem de certos produtos é dever de todo comprador, especialmente quando essa origem está ligada a países envolvidos em graves violações de direitos humanos ou ações militares ofensivas, como a invasão russa da Ucrânia.
No caso do diesel russo, o processo de verificação da origem deve ser tratado com seriedade. A Rússia, que há anos enfrenta sanções impostas pela União Europeia e Estados Unidos, invadiu a Ucrânia em 2022, anexando territórios soberanos e provocando uma resposta coordenada da comunidade internacional. Ainda assim, o Brasil tem ampliado suas compras de diesel russo e, segundo consta do site da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis, 65,5% do diesel importado pelo Brasil em 2024 vieram da Rússia.
Essa dependência levanta preocupações. Embora o governo brasileiro não tenha imposto sanções contra a Rússia, e talvez tenha sido um acerto, o cenário internacional indica que sanções chamadas secundárias podem ser aplicadas por países como os Estados Unidos a empresas brasileiras envolvidas na compra e até no transporte de diesel russo.
Vale lembrar que, como últimas alternativas à guerra quando soluções diplomáticas falham, sanções são remédios amargos. Elas causam impactos econômicos e sociais no país-alvo (por exemplo, a Rússia), bem como nos que importam seus produtos. E elas podem ser primárias, diretamente aplicadas àquela pessoa jurídica ou física, ou secundárias, atingindo quem negocia com os sancionados. Além disso, geram custos de cumprimento, que tendem a subir cadeia acima.
A implementação de sanções estatais pode não representar proteção efetiva justamente por uma questão de mercado resumida numa simples fórmula: menos fornecedores porque alguns estão sancionados ou podem vir a ser sancionados (a ameaça é um risco real) + demanda contínua ou até crescente = impacto no mercado, inclusive empregos/contratos, preços e inflação.
E é justamente o mercado que pode se encarregar de impor barreiras, talvez mais eficazes do que as sanções. Por pressão de clientes, de grupos de formação de opinião, cujas posições podem viralizar na boca e textos de influenciadores, por maiores custos ou até restrições de crédito, e inclusive por barreiras criadas a partir de classificações negativas em plataformas de due diligence — que podem detectar mídias negativas relacionadas à compra de diesel russo — há todo um sistema que pode direcionar a alternativas às sanções primárias e mesmo secundárias.
Ainda que haja, especialmente nos Estados Unidos e em partes da Europa, uma reação política e ideológica contra pautas de sustentabilidade e diversidade, o fato é que eventos climáticos extremos, como enchentes e secas prolongadas, vêm impactando diretamente vidas e a economia de países consumidores relevantes de produtos e serviços brasileiros — como Espanha, Alemanha e Itália. Esses eventos acentuam a pressão por uma matriz energética menos dependente de diesel, de qualquer origem, mas seria ingenuidade achar que se pode abrir mão dele, pelo menos num horizonte próximo.
No caso do Brasil, o diesel — independentemente de sua origem — continua sendo peça-chave para o transporte de cargas e de pessoas. Não se deveria olhar para o Brasil apenas sob um ponto de vista eurocêntrico, pois a realidade dos países mais ricos em relação aos combustíveis não é igual, e tampouco a sustentabilidade é o foco central deste texto, ainda que seja, sim, um tema importante.
Numa situação em que se verifique a idoneidade de fornecedores — algo cada vez mais comum —, as mídias negativas eventualmente apontadas em relação a uma empresa podem ser tratadas por plataformas eficientes de due diligence, bem como podem — num plano mais ideal — ser analisadas por pessoas, para separar verdadeiros de falsos positivos. Se houver registro, ele estará lá. Não deve ser ignorado e precisa ser analisado, sob o risco de um pequeno problema inicial tornar-se um grande problema, prejudicando uma cadeia de pessoas jurídicas e físicas.
Na prática, a simples menção à compra de diesel russo pode ser motivo de não contratação ou até mesmo de cancelamento de contratos com clientes mais sensíveis à origem do combustível, sob uma cláusula que é comum de encontrar: rescisão por má reputação. Uma rescisão contratual pode ser prejudicial, e multas eventualmente aplicadas podem agravar ainda mais a situação de quem, por vontade ou descuido, continue a comprar diesel russo.
Talvez não falte quem compre diesel russo e tente omitir ou disfarçar a origem do combustível em documentos, para tentar se esquivar de sanções ou de repercussões reputacionais — que, como se sabe, valem dinheiro. Mas a estratégia mais esperta de verdade é implementar controles, sobretudo por quem está no topo da cadeia de consumo de produtos e serviços feitos ou beneficiados — ainda que indiretamente — por diesel sujeito a sanções, mesmo que apenas estrangeiras.
É papel da administração das empresas prever algum orçamento razoável, que nem precisa ser muito alto, na verdade, e priorizar, com apoio de áreas como compliance e compras, o mapeamento e a gestão dos riscos associados ao uso direto ou indireto de diesel russo na cadeia produtiva. Áreas de compliance, para as empresas que não as tenham, nem precisam ser internas, inclusive.
Estratégias de transição para fora do diesel russo podem — ou melhor, devem — ser adotadas, e quem sabe até possam ser abandonadas no futuro, caso as graves violações de direitos humanos na Ucrânia cessem e medidas adequadas sejam tomadas, permitindo o eventual levantamento das sanções por parte de países e blocos.
As perguntas que resumem tudo colocado acima são as seguintes: e se os grandes compradores de produtos e serviços brasileiros começarem a fazer a incômoda pergunta a suas cadeias de fornecimento sobre a compra de diesel russo? Vale a pena correr o risco de ver contratos perdidos, reputação arranhada e acesso ao mercado comprometido? Ou será mais prudente antecipar-se, fortalecer controles e buscar alternativas sustentáveis, mesmo que mais caras no curto prazo, mas mais seguras no longo prazo?
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica