O problema não é o Congresso, é o Planalto
Escrevo essa coluna de Seoul, Coreia do Sul, onde vim participar do 28º Congresso da Associação internacional de Ciência Política (IPSA) quando tive a honra de receber o prêmio Guillermo O’Donnell para pesquisadores latino-americanos de 2025.
Em sua coluna do dia 5 de julho de 2025, Celso Rocha de Barros argumenta que a suposta crise entre o Executivo e o Congresso é inevitável — afinal, Lula seria um presidente de esquerda enfrentando um Congresso conservador, operando sob regras que reduziram os poderes da Presidência.
Segundo ele, a tarefa de montar e manter coalizões ficou mais difícil, e a redução da fragmentação partidária ainda impõe dilemas estratégicos aos partidos de centro-direita de continuarem na coalizão, ou de lançarem candidatos à presidência em 2026.

A análise de Celso, embora interessante, erra ao atribuir os problemas de governabilidade exclusivamente à conjuntura. Ao lado de Frederico Bertholini e Marcus André Melo, venho demonstrando empiricamente que o que importa para a governabilidade não é a distância ideológica do presidente para o Congresso, como pensa Celso, mas sim a distância entre a mediana da coalizão do governo e a mediana do Congresso.
E, nesse quesito, a super-coalizão de Lula — com 16 partidos extremamente heterogêneos ideologicamente— tem praticamente a mesma distância da mediana do Congresso que as coalizões de Temer e Bolsonaro, conforme mostro na figura abaixo, tomada emprestada do livro com Marcus André Melo, “Por que a democracia brasileira não morreu?”, que foi calculada no início do governo em 2023. No entanto, o desempenho legislativo do atual governo está aquém do observado nas gestões anteriores (ver coluna do dia 2 de julho de 2025).

De fato, a perda de discricionariedade na execução das emendas individuais e de bancada dos parlamentares representa uma restrição adicional ao Executivo. Mas essa limitação não alterou a lógica do jogo Executivo-Legislativo — apenas inflacionou o mercado de moedas de troca, com o surgimento de novos instrumentos como as emendas Pix, o orçamento secreto e os recursos de bancos públicos.
Além disso, a redução da fragmentação partidária, em tese, deveria facilitar a coordenação. Menos partidos significa menores custos de transação para formar e manter coalizões. Se a governabilidade piorou, é preciso olhar para outro lugar.
A resposta está na recusa do Executivo de compartilhar poder de forma institucionalizada. No capítulo 3 do meu livro Making Brazil Work com Marcus André Melo, mostramos que os presidentes podem escolher entre algumas estratégias de gestão de coalizão: o “varejo” — baseado em emendas e distribuição ad hoc de outros recursos — e o “atacado”, que exige compartilhar poder com os partidos aliados, tanto na formulação do programa de governo quanto na ocupação proporcional de posições-chave no Executivo.
O exemplo clássico no Brasil de compartilhamento de poder foi a aliança entre PSDB e PFL no governo FHC. Os tucanos cederam pontos programáticos e respeitaram o peso político do aliado dentro do governo. O resultado foi uma coalizão funcional e com capacidade de entrega legislativa. Outro exemplo foi o governo Temer, que inclusive alocou mais espaços no governo para os partidos aliados do que para o próprio partido do presidente, o MDB.
Já o petismo, historicamente, tem resistido a esse modelo. Ao interpretar o papel da Presidência como um “contrapeso ao atraso” do Congresso, incorre em uma forma de cesarismo tecnocrático: a ideia de que o Executivo deve modernizar o país apesar do Parlamento atrasado. Essa visão, além de antidemocrática e preconceituosa com os outros partidos, produziu uma reação institucional do Legislativo — hoje mais autônomo, assertivo e disposto a proteger suas prerrogativas.
Como tenho insistido, as ferramentas à disposição da Presidência são suficientes para governar. A perda de prerrogativas é, em grande medida, consequência da forma como o poder tem sido exercido — e não de um suposto declínio inexorável da instituição presidencial. No presidencialismo multipartidário, quem não compartilha poder, perde poder.
Celso menciona as dificuldades atuais como se fossem uma fatalidade. Mas ainda estamos diante de uma proposição não observável. A verdadeira prova do peso das mudanças institucionais virá quando um presidente optar — e souber — operar nosso presidencialismo multipartidário como ele foi desenhado para funcionar. Como dizem os ingleses, the proof of the pudding is in the eating.