A estratégia Bolsonarista saiu pela culatra?
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a imposição de uma série de medidas cautelares, além de buscas e apreensões, contra o ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. A decisão foi proferida pelo ministro Alexandre de Moraes na Petição (PET) 14.129, autuada por prevenção ao Inquérito (INQ) 4.995/DF, e tem por objetivo coibir supostas condutas criminosas de coação no curso do processo, obstrução de investigação de organização criminosa e atentado à soberania nacional.
As medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes incluem: Uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento domiciliar noturno e integral em finais de semana e feriados; Proibição de aproximação de embaixadas e consulados estrangeiros; Proibição de contato com embaixadores, autoridades estrangeiras e outros réus ou investigados relacionados aos inquéritos em curso; Proibição de utilização de redes sociais, direta ou por meio de terceiros.
A decisão fundamenta-se nos artigos 319 do Código de Processo Penal e 21 do Regimento Interno do STF, visando impedir a continuidade das condutas ilícitas e assegurar a efetividade da ação penal. O ministro destacou o risco de dano irreparável à soberania nacional e ao Poder Judiciário caso as medidas não fossem implementadas.
Para melhor compreensão dos delitos imputados, cabe uma breve análise dos tipos penais envolvidos, sem pretensão de esgotar o tema.
O crime de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) busca proteger a integridade da Justiça, punindo quem utiliza violência ou grave ameaça contra qualquer pessoa envolvida em processo judicial, policial ou administrativo, visando influenciar sua atuação ou omissão. No caso, investiga-se se houve tentativas de intimidar ou pressionar atores envolvidos em processos em curso.
O crime de obstrução de investigação de organização criminosa (artigo 2º, §1º, da Lei nº 12.850/2013) pune quem busca dificultar ou impedir investigações sobre organizações criminosas, atrapalhando a coleta de provas ou o avanço das apurações.
O delito de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (artigo 359-L do Código Penal), frequentemente mencionado nos últimos anos, pune quem tenta, mediante violência ou grave ameaça, suprimir ou impedir o funcionamento regular dos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário.
Por fim, o crime de atentado à soberania nacional (artigo 359-I do Código Penal) trata de atos que comprometam a autonomia do Brasil perante outras nações, punindo negociações ou ações que provoquem atos hostis contra o país. Neste caso, a decisão do STF aponta tentativa de submeter o funcionamento da Suprema Corte ao crivo de um Estado estrangeiro.
As investigações tiveram início com o INQ 4.995/DF, instaurado a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), para apurar condutas do deputado federal licenciado Eduardo Nantes Bolsonaro. Ele é investigado por coação no processo judicial, obstrução de investigação de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
No curso das investigações e diante do avanço da Ação Penal (AP) 2.668, a Polícia Federal (PF) solicitou a extensão das medidas cautelares a Jair Bolsonaro, apontando sua participação nos mesmos delitos atribuídos ao filho. A PGR manifestou-se favoravelmente à inclusão de Bolsonaro, conforme a Petição nº 97.450/2025.
A decisão cita diversos indícios que embasaram as medidas contra Bolsonaro. Desde o início do inquérito, a PGR já apontava que Eduardo Bolsonaro reiteradamente buscava sanções do governo dos Estados Unidos contra autoridades brasileiras, alegando perseguição política contra si e seu pai. Essas manifestações teriam se intensificado com o avanço da Ação Penal 2.668.
A PF apurou que Jair Bolsonaro, alinhado ao filho, teria atuado para coagir autoridades e obstruir investigações, inclusive mediante negociações internacionais. Um elemento considerado crucial foi a transferência de R$ 2 milhões via PIX, de Jair para Eduardo Bolsonaro, em 13 de maio de 2025, quando o deputado já estava no exterior. Para a PGR, essa vultosa quantia representa forte indício de associação para interferir no Poder Judiciário e fomentar pressões internacionais contra o Brasil.
A decisão ainda aponta como ponto crítico o envolvimento de Jair Bolsonaro em interações públicas com lideranças estrangeiras, incluindo o compartilhamento de declarações do presidente dos Estados Unidos contrárias à soberania nacional, ameaças de sanções econômicas e pressão sobre instituições brasileiras.
O ápice das condutas, segundo o documento, ocorreu quando Bolsonaro, em coletiva de imprensa em 17 de julho de 2025, teria confessado publicamente condicionar o fim das sanções econômicas internacionais à concessão de anistia pessoal, o que caracterizaria, segundo o STF, tentativa de extorsão contra a Justiça brasileira.
O STF, segundo o voto de Moraes, jamais tolerará tentativas de submeter suas decisões ao crivo de nações estrangeiras, ressaltando o dever constitucional de proteger a soberania e o Estado de Direito.
A legislação brasileira prevê a adoção de medidas cautelares em substituição à prisão preventiva sempre que possível, desde que preenchidos requisitos legais como indícios suficientes de autoria, risco concreto de obstrução da justiça e necessidade de proteger a ordem pública.
Apesar das legítimas preocupações sobre imparcialidade em julgamentos envolvendo figuras públicas de grande influência política, a análise técnica da decisão indica que, ao menos sob a perspectiva estritamente jurídica, a medida encontra respaldo em normas legais, com base em indícios que apontam para reiteradas tentativas de obstruir a justiça e coagir instituições do Estado brasileiro.