Sinais, vieses e escaladas: é a Psicologia, estúpido!
Ficou famosa a frase de assessor político norte-americano dizendo que é a Economia que define o voto (“é a Economia, estúpido!). No entanto, isso não parece o caso da recente polêmica entre o Brasil e os EUA. Decisões recentes de Washington indicam que o conflito comercial com o Brasil é, antes de tudo, político-perceptivo. Christopher Garman (Eurasia Group) afirma que Donald Trump “se enxerga no drama” de Jair Bolsonaro e lê atos do Supremo como parte de uma escalada política, o que reduz as chances de alívio no curto prazo. Lourival Sant’Anna sustenta linha semelhante: o maior erro seria o entrincheiramento. O caminho é diplomacia ativa, coordenação fina com empresas nos EUA e coalizões bipartidária. E, sobretudo, atenção às percepções subjetivas dos envolvidos; é dela que dependem as interpretações sobre textos decisórios judiciais.
O que as Neurociências explicam sobre a mente?
Pinker, um dos mais importantes neurocientistas da atualidade, ensina que a política é um dos campos de maior incidência de vieses comportamentais (ou seja, aquela parte do cérebro responsável por decisões intuitivas, rápidas). Cass Sunstein trouxe esses ensinamentos para o Direito em sua obra Nudge.
Todavia, muitos juristas brasileiros focam sua análise na dogmática jurídica (com vieses políticos, na maior parte das vezes, diga-se de passagem): a consistência teórico-jurídica das decisões do STF envolvendo o ex presidente Bolsonaro. O problema, aqui, é como os textos (sinais emitidos pelo STF) são percebidos e interpretados pelo governo norte-americano. Em cenários polarizados, vieses como identificação moral tribal, heurística do afeto e viés de confirmação distorcem a leitura de fatos: envolvidos na disputa política selecionam evidências que reforcem percepções e posicionamentos prévios. Se Trump se identifica com Bolsonaro, como dizem especialistas, ele tende a perceber e reinterpretar medidas judiciais (ordens a plataformas, bloqueios de contas, restrições cautelares) como provas de perseguição, mesmo quando, eventualmente, amparadas em uma racionalidade jurídica. Esse mapeamento perceptivo é o que aciona respostas decisórias.
Não vamos esquecer inclusive que foi a esquerda brasileira quem trabalhou anos (durante os tempos de Lava Jato) contra a legitimidade das cortes brasileiras, inclusive do STF. Então nem se pode culpar o Poder Executivo norte-americano pelo ruído comunicacional.
Teoria dos jogos: evitar sinais de confronto
A maioria dos ministros do STF reconhece que a política foi judicializada e que parte de toda a vida dos brasileiros passa pelo Poder Judiciário. Nesse cenário, não há mais como trabalhar apenas com a teoria jurídica lógico-formal e não há mais como separar, no plano da realidade empírica, pelo menos na percepção das pessoas sem formação jurídica, entre política e Direito. Então é preciso que juristas ampliem horizontes e sua caixa de ferramentas como é o caso da teoria dos jogos, da Psicologia e das Neurociências.
No curto prazo, assim, importa reduzir incentivos à escalada. Em jogos repetidos, sinais ruidosos geram ciclos de retaliação. Minimizar sinais públicos de punição política e maximizar sinais procedimentais de devido processo legal diminui o payoff doméstico da escalada americana e abre espaço para exclusões na implementação ou na futura migração da medida para um trilho Section 301.
O que o STF e o Executivo podem fazer
- Sinal procedimental, não punitivo. Reforçar publicamente que decisões sensíveis seguirão parâmetros de devido processo, acesso da defesa aos autos, motivação densa e proporcionalidade. Evitar, quando possível, medidas que possam ser lidas como punição extraprocessual aos olhos de um agente político estrangeiro como medidas cautelares de ofício.
- Separação de arenas. Desacoplar contencioso criminal de embates de comunicação. Comunicar em inglês notas técnicas que expliquem a base jurídica das decisões, com benchmarks comparados, reduzindo espaço para leituras de viés político.
- Evitar gatilhos de escalada. Medidas com alto custo simbólico internacional (p.ex., ordens amplas a plataformas ou congelamentos percebidos como coletivos) devem ser estritamente justificadas, com escopo limitado, prazo e possibilidade de recorrer explícitos. Isso reduz o payoff político da escalada nos EUA.
- Humildade republicana e cuidado com próprios vieses: o STF deve estar também preparado para receber críticas por eventuais excessos vindo de setores e segmentos da sociedade.
Conclusão: decidir bem é decidir prevendo reações
A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (a lei que regula a aplicação do Direito no país) exige que decisões dos magistrados considerem consequências práticas. Num ambiente em que percepções e vieses pesam mais que silogismos embasados em dogmática, Psicologia, Neurociências e teoria dos jogos oferecem melhores lentes para prever reações e minimizar danos.