O ‘tarifaço’ e o Supremo Tribunal Federal
A reação patriótica à intervenção do governo americano em assuntos internos do País não pode servir para fazer esquecer os abusos que são cometidos pelo Supremo Tribunal Federal desde 2019. Digo do Supremo Tribunal Federal porque, se algum Ministro foi além do devido em face da Constituição e das leis, ainda que por decisões tomadas monocraticamente, sempre elas contaram com a aprovação de sua Turma.
Com efeito, como todos sabem, uma Portaria de 14 de março de 2019, deu a luz a um Inquérito de nº 4781, destinado a apurar atos difamatórios dessa Corte, de seus Ministros, e parentes. Nele, sem sorteio, foi nomeado um Ministro para executar a apuração.
Entretanto, este Inquérito produziu outros que importaram em numerosas violações da Constituição. Foi visto como um Ato Institucional que alterasse a Constituição e desse ao Relator plenos poderes para desobedecer à Carta Magna, a pretexto de defender a democracia, como se a defesa desta pudesse ser feita por atos antidemocráticos, inconstitucionais. Tudo isto foi não apenas tolerado pelo Excelso Tribunal, como largamente elogiados – ainda hoje – e sempre encorajados pelos eminentes colegas do Relator.
Tais atos, com efeito, frequentemente violaram a Constituição. Já os enumerei em artigos anteriores, agora apenas vou resumir os principais.
Destaque-se de pronto o fato da censura de mensagens, que contraria duas proibições constitucionais. Uma a do art. 5º, IX, outra a do art. 220, § 2. Esta, aliás, um dos pretextos invocados por Trump para agredir o País com o “tarifaço”.
Ora, cerceando a liberdade de expressão, a censura violava também um direito humano fundamental, claramente reconhecido no art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem. A censura foi além de declarações, colheu pessoas que foram impedidas de falar por mensagens, num desmedido pré-julgamento. E nesse caminho até as Techs o foram.
Ao fazê-lo, foram dadas ordens – algumas secretas (e por que secretas, se legítimas?) – dirigidas mensagens por e-mail a firmas e pessoas nos Estados Unidos, em afronta a soberania desse País e em descompasso com as normas que regem a transmissão de ordens a pessoas, noutro País, ou entes sujeitos à soberania de outro Estado.
Tudo isto, lamentavelmente, contou com o beneplácito e o aplauso da Turma do STF.
Não ficaram nisso as violações.
Pondo de parte as regras de competência que resultam da Constituição, foram processadas e julgadas pessoas que nunca tiveram foro privilegiado, como continuam a ser para outros que deixaram de ter esse foro.
Ademais, em todos esses processos têm ocorrido nítida violação do devido processo legal, outra regra posta pela Constituição (art. 5º, LIV). Neles, igualmente, a imparcialidade – regra de ouro da Justiça – tem sido desprezada. Quem é vítima pode ser acusador e julgador, sem qualquer disfarce.
Basta isto para mostrar que não vivemos numa Democracia, mas numa Juristocracia.
E o jurista perante isto nem acredita no que seus olhos vêem. Uma Portaria dar azo a pôr de lado a Constituição? Nunca se viu, não há exemplo na história. Nem o neoconstitucionalismo o aceitaria.
Ponham-se de lado outros exemplos, como os do ativismo, para ser breve neste artigo, não se repetindo o que noutros já se apontou.
Não se pode, todavia, deixar de lado um ponto.
Todas essas decisões certamente têm sido ignorados pelo Poder que poderia atalhá-los, impedi-los e, sobretudo, sancioná-los. Agora, que desperta ele pelo problema, encontra obstáculos políticos de autoridades que bloqueiam o interesse nacional e a prevalência da Constituição de 1988.
De fato, os remédios que foram requeridos, jamais tiveram seguimento. Se o tivessem tido e decidido, não haveria lugar para o pretexto do “tarifaço”. Talvez este que pune todos os brasileiros e não apenas os responsáveis pelo absurdo das violações da Constituição, aqueles mesmos deveriam ser os guardiões.
É tarde, para poupar-nos do “tarifaço”. Não o é também para restaurar a pela efetividade da Constituição e sua salvaguarda para o futuro.