12 de agosto de 2025
Politica

O que não estão falando sobre a ‘lei da fibromialgia’

São raros os momentos de esperança de pacientes com doenças crônicas, em especial advindos da lei. Por isso, muito se celebrou como avanços a Lei 14.705/2023 (já em vigor) e a recente Lei 15.176/2025 (que entrará em vigor apenas em 2026), que atualiza a anterior. Mas há pontos críticos que seguem invisibilizados — e que precisam ser ditos, especialmente por quem vive ou defende causas como a Síndrome da Fadiga Crônica / Encefalomielite Miálgica (EM/SFC).

Embora venha sendo conhecida e chamada por “Lei da Fibromialgia”, a lei não trata apenas da fibromialgia. Seu texto é claro: abrange “síndrome de fibromialgia ou fadiga crônica ou por síndrome complexa de dor regional ou outras doenças correlatas”. Isso significa que, embora possa soar uma conquista exclusiva para pessoas com fibromialgia, na verdade, é um direito garantido também para pacientes com EM/SFC, dor complexa regional e doenças correlatas.

Assim, começamos com um convite à reflexão de um nome mais inclusivo, para que pacientes com síndromes diagnosticadas ou não que envolvam as doenças no caput possam se atentar de que estão representados pela lei e que possuem direitos na luta cotidiana.

Dentre os avanços, a lei determina que o SUS deve garantir:

  1. Atendimento multidisciplinar (com médicos, psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas);
  2. Acesso a exames complementares;
  3. Assistência farmacêutica;
  4. Acesso a modalidades terapêuticas reconhecidas, como fisioterapia e atividade física.

Além disso, a 14.705/23 prevê a criação de um protocolo clínico de diretrizes e tratamento para essas condições. E, aqui, está a maior omissão atual: o protocolo ainda não existe no Brasil para a Síndrome da Fadiga Crônica, mesmo com a existência de diretrizes internacionais — como as publicadas pela Mayo Clinic, EUROMENE e outros.

Isso implica o famoso “ganhou, mas não levou”. Pacientes com EM/SFC estão oficialmente contemplados em uma lei federal, mas seguem sem acesso prático ao que ela promete, por pura negligência na regulamentação e implantação dos serviços. É urgente que sejam efetivados os direitos estabelecidos por lei, inclusive para efetivar o direito constitucional à saúde, por meio da criação de um protocolo clínico de diretrizes e tratamentos.

Um avanço relevante dado pela Lei 15.176/2025 — que complementa a 14.705/23 — é o reconhecimento da fibromialgia, EM/SFC e outras síndromes relacionadas a dores crônicas como deficiência para fins legais. Com isso, pacientes que estejam diagnosticados (ou mesmo na jornada de diagnóstico) e que estejam em condições que impliquem em barreiras físicas, sociais, ambientais ou outras, tal como estabelecidas na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), poderão ser consideradas Pessoas com Deficiência e acessar os direitos previstos na Lei Brasileira de Inclusão. Mas há dois pontos essenciais aqui:

  1. A lei ainda não está em vigor — sua validade começa em 2026.
  2. O reconhecimento como PCD não é automático. É necessário passar por uma avaliação biopsicossocial, conforme a LBI (Lei nº 13.146/2015), que considera a funcionalidade e as barreiras sociais, além do diagnóstico clínico.

Pelo art. 2.º da LBI, sequer precisaria que constasse uma lei específica, mas a histórica invisibilização e minimização do sofrimento de pacientes tornou relevante que constasse expressamente em lei o reconhecimento de equiparação. Mas é preciso compreender que não se trata de “direitos garantidos”, que simplesmente se judicializa sem base técnica sólida.

Outro problema grave: mesmo que as leis já mencionem claramente outras condições além da fibromialgia, a narrativa pública segue apagando essas doenças do debate. Não são apenas os pacientes com Síndrome da Fadiga Crônica que continuam sendo invisibilizados, mesmo quando a própria lei lhes dá respaldo.

E, mais uma vez, o silêncio custa caro porque, sem protocolo clínico, não há como garantir cuidado digno, direito à saúde, nem acesso uniforme ao que a lei prevê. Sem isso e sem o reconhecimento público, os direitos viram letra morta.

Precisamos lembrar que legislar é só o primeiro passo. O que muda a realidade é a implementação com responsabilidade, formação profissional e articulação política séria.

É hora de cobrar a criação de protocolos nacionais para todas as condições mencionadas na Lei 14.705/23. E de garantir que a Lei 15.176/25 não seja mais uma promessa vazia adiada para o futuro.

 

 

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