Lula acelera pacote social e mira classe média e periferia para tentar recuperar apoio até a eleição
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca aproveitar ao máximo a leve melhora em seus índices de popularidade após apostar em um discurso de justiça tributária nas redes. A gestão petista decidiu acelerar o lançamento de programas sociais, ao mesmo tempo em que Lula intensificou agendas junto à população e recorreu à retórica da soberania nacional como resposta ao tarifaço anunciado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, contra o Brasil.
Entre as iniciativas estão o programa Gás para Todos, que prevê a distribuição de botijões de gás para famílias de baixa renda; o Luz do Povo, que isenta essas famílias do pagamento da conta de luz ou oferece descontos; e o Agora tem Especialistas, voltado à redução da fila de espera no Sistema Único de Saúde (SUS). A previsão é que o primeiro programa seja implementado este mês, por meio de uma Medida Provisória. Os outros dois já tiveram suas MPs publicadas.

O governo ainda planeja lançar uma nova linha de crédito para pequenas reformas em residências, que tem o nome provisório de Melhorias. Também está no cardápio de ações um programa de financiamento para a compra de motos e carros para trabalhadores de aplicativos.
Além do pacote voltado à população de baixa renda, o governo pretende beneficiar a classe média com o projeto de lei que isenta do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil por mês. Outra aposta nessa direção foi o lançamento de uma nova faixa do Minha Casa Minha Vida, voltada para famílias com renda de até R$ 12 mil mensais.
Além disso, a proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública é considerada outra medida com impacto sobre a classe média urbana. No início deste mês, o PT realizou seu encontro nacional, no qual essas e outras propostas prioritárias foram discutidas com a bancada petista no Congresso.
Um integrante do primeiro escalão do governo ouvido pela reportagem afirmou que o lema no Palácio do Planalto é aproveitar o momento de alguma melhora na popularidade para apresentar entregas concretas à população.
Segundo esse interlocutor, o governo Lula entrou em uma nova fase após a crise envolvendo o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), conseguindo uma rara imposição em relação à direita nas redes sociais ao emplacar o discurso de justiça tributária, centrado na ideia de “ricos versus pobres”.
Esse mesmo ministro avalia ainda que a sobretaxa de 50% anunciada por Trump sobre produtos brasileiros exportados aos EUA acabou fortalecendo o governo Lula.
Segundo a última pesquisa Genial/Quaest, publicada uma semana após o anúncio do tarifaço, a reprovação ao governo petista recuou de 57% para 53%, enquanto a aprovação variou de 40% para 43%. Outros levantamentos mostraram dados semelhantes, à exceção do Datafolha, que registrou estabilidade, com 40% de reprovação e 29% de aprovação da gestão petista.
Lula intensifica agendas com a população
Após uma intensa agenda internacional entre maio e junho, Lula passou a dar prioridade a compromissos com participação popular. Em julho, participou de nove eventos públicos – contra quatro registrados em junho –, o que fez do mês o período com maior presença direta do presidente entre a população em 2025 até agora.
Desde o fim de junho, o petista realizou duas agendas em São Paulo: uma visita à Favela do Moinho, na região central da capital, e outra à comunidade do Jardim Rochdale, em Osasco, na Grande São Paulo. Em ambas, entrou nas casas de moradores, conversou com famílias e produziu conteúdo para suas redes sociais. Aproveitou ainda os encontros para reforçar discursos em defesa da justiça tributária e da soberania nacional.
“Quem ganha R$ 1 milhão por ano vai pagar um pouquinho para a gente fazer com que as pessoas que ganham menos não paguem. Como se chama isso, aumento de imposto? Não, se chama justiça tributária. É isso que estamos fazendo, e por isso tem algumas pessoas chiando”, declarou Lula, em agenda em São João da Barra (RJ).
Após o anúncio do tarifaço, o governo incorporou a bandeira do Brasil e as cores verde e amarela em sua comunicação oficial – símbolos tradicionalmente associados ao bolsonarismo – numa tentativa de confrontar a narrativa nacionalista sustentada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem Lula tem chamado de “traidor da pátria”.
Essas ações vêm na esteira de discursos em defesa da justiça social, intensificados após uma série de derrotas no Congresso. Sob a liderança do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Pereira, o governo deixou em segundo plano o slogan “União e Reconstrução” e busca se afastar da identidade associada ao Centrão.

Segundo um dirigente petista, a estratégia para o segundo semestre é ampliar a presença pública de Lula, com foco em lançamentos de programas sociais e participações em entrevistas. Embora o governo negue que as ações tenham viés eleitoreiro, os programas anunciados, se bem-sucedidos, tendem a melhorar o desempenho da gestão, fortalecendo o PT para o ano eleitoral.
Para o cientista político e professor da FGV Marco Teixeira, as recentes ações de Lula reforçam a marca de um governo de esquerda e resgatam elementos das gestões anteriores do petista. “Talvez seja isso o que hoje diferencia a esquerda da direita. E esse movimento ocorre em um bom momento para o governo, pois ajuda a demarcar ainda mais sua posição”, afirma.
Segundo Teixeira, Lula encontrou um novo mote após a disputa sobre o IOF no Congresso e conseguiu reduzir o nível de atrito nas duas Casas legislativas após o tarifaço anunciado por Trump.
“Não foi por mérito do governo, mas por ação do próprio Eduardo Bolsonaro e de Trump, que acabaram, de certa forma, forçando o Congresso a se afastar da chamada oposição, especialmente da ala mais barulhenta. O governo vive, assim, uma espécie de tempestade perfeita, só que favorável a ele.”
A cientista política e professora da FGV Lara Mesquita avalia que o novo discurso do presidente impõe um custo político elevado ao Congresso. “Se o Legislativo derrubar esses programas, reforça-se a imagem de um Executivo que defende os pobres contra um Congresso alinhado aos interesses dos ricos. Mas me parece pouco provável que os parlamentares optem por esse caminho, dado o ônus em termos de imagem pública.”