Deputados ignoram obras grandes e dedicam emendas para projetos simples e de impacto limitado
[[{“value”:”
Deputados federais têm direcionado a maior parte de suas emendas parlamentares para municípios de pequeno porte. Nesse caso, quantidade não é sinônimo de qualidade: em vez de enfrentar gargalos estruturais de maior porte, boa parte dos recursos financia obras baratas, simples e de rápida execução — como o asfaltamento de ruas e a reforma de praças —, que geralmente se concluem em um ciclo eleitoral e geram retorno político imediato. A prática aprofunda desigualdades de infraestrutura no País.
Essa é a conclusão de um estudo elaborado pelas pesquisadoras Isabella Montini e Alison E. Post da Universidade da Califórnia Berkeley. Intitulado Tamanho é Documento: Política de Emendas e Presença do Estado nos Municípios Brasileiros, o levantamento identificou um padrão claro: quanto menor o município, maior o gasto por habitante e o número de obras, prevalecendo intervenções simples, de baixo custo e impacto limitado.

A preferência tem razões tanto práticas quanto eleitorais. Em cidades pequenas, as obras chamam mais atenção do eleitor, os custos de mão de obra são menores e os prefeitos se empenham em garantir que o deputado seja reconhecido pelo investimento.
Líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL) afirma que não há preferência na hora de destinar emendas. Segundo ele, são contemplados projetos de diferentes tamanhos e importância. Nos municípios pequenos, a escolha varia de acordo com as demandas apresentadas pelos prefeitos. “Depende muito da prioridade de cada cidade; é preciso ouvir o prefeito”, diz o parlamentar.
Deputada federal em segundo mandato, Rosana Valle (PL-SP) afirma que as emendas parlamentares individuais surgiram para dar força ao Parlamento, mas também para descentralizar parte do orçamento da União e torná-lo mais acessível para necessidades locais e pontuais.
“Emenda parlamentar, perto do montante total do orçamento do governo, é pouco. Cada deputado indica, por ano, cerca de R$ 37 milhões. Com esses recursos, ele vai fazer obras pontuais — ele não pode fazer um hospital, é uma obra muito grande. É preciso dividir os recursos e atender diferentes necessidades”, diz a deputada, que afirma adotar critérios rigorosos para a destinação dos seus recursos. “Nas emendas destinadas para a saúde, por exemplo, só destino verbas a hospitais que atendem 100% pelo SUS e busco escolher os que atendem mais pessoas. Nas minhas decisões, eu utilizo critérios. O que não pode é a emenda ser utilizada como moeda de troca entre deputado e prefeito.”
Segundo as autoras do estudo, o modelo em prática não é necessariamente ruim. Isso porque, em geral, municípios pequenos arrecadam pouco e dependem mais de repasses federais e estaduais para realizar investimentos. As emendas nesses locais chegam a dobrar o orçamento municipal, viabilizando obras que o prefeito dificilmente conseguiria tirar do papel sem aumentar impostos. O problema, ponderam elas, está na escolha do que financiar.
“Em muitos casos, isso significa que redes de esgoto, saneamento e clínicas especializadas ficam em segundo plano. Com o tempo, essa priorização pode reforçar desigualdades históricas entre os centros urbanos mais desenvolvidos e os municípios menores do interior, ao invés de reduzi-las”, afirma a pesquisadora brasileira Isabella Montini.
Para chegar a essas conclusões, o estudo analisou cerca de 65 mil projetos financiados por emendas parlamentares individuais de 2015 a 2023, período em que elas se tornaram impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório pelo Executivo.
Metade dessas emendas foi destinada a obras de infraestrutura, categoria que concentra desde grandes intervenções até pequenas melhorias urbanas. Dentro desse grupo, os chamados projetos de urbanismo — que abrangem pavimentação e recapeamento de ruas, construção de calçadas, praças, campos esportivos e até reformas em entradas de cidades — representaram a maior parcela (27% do total).
Os dados do estudo indicam que a porcentagem de projetos urbanísticos em municípios com menos de 100 mil habitantes é de 41%, contra cerca de 30% nas médias e 10% nas grandes. E, quando se analisa apenas esse tipo de obra, as pequenas recebem proporcionalmente muito mais recursos que as demais.
Retorno político é maior em cidades pequenas
A escolha dos deputados por esse tipo de projeto tem uma lógica política clara. É mais difícil, por exemplo, levar o crédito por ampliar o horário de trabalho de funcionários de uma unidade de atendimento da população ou pela compra de frascos de medicamentos, do que por projetos que perduram anos na cidade. Infraestruturas subterrâneas, por sua vez, também não oferecem a mesma vantagem política de praças e ruas asfaltadas — por isso, segundo os entrevistados para o estudo, pavimentações são mais populares do que obras de saneamento.
“Em cidades pequenas, qualquer obra pública chama atenção porque o tecido urbano é pouco construído. Uma praça, uma calçada ou um posto de saúde se destacam mais ali do que em uma metrópole, onde há muita infraestrutura pré-existente”, afirma a pesquisadora, que é mestre em Economia Política pela Universidade de Stanford e doutoranda no Departamento de Ciência Política na Universidade da Califórnia, Berkeley.
Outro motivo da escolha, apontado no estudo, é que o dinheiro “rende” mais nos municípios de menor porte: terrenos custam menos e a mão de obra é mais barata. Trabalhadores formais ganham, em média, um pouco menos de 2 salários mínimos, contra um pouco mais de 3 em cidades maiores, cita o estudo. Além disso, quase não há concorrência de outros parlamentares: em média, apenas um deputado envia recursos por ano para municípios pequenos, contra dois nas cidades médias e cinco nos grandes centros.
Outro trunfo para os parlamentares é o apoio dos prefeitos. Em cidades pequenas, a elite política é mais coesa e atua para garantir que o crédito pelas obras seja associado ao deputado responsável pela emenda. Os prefeitos costumam se empenhar pessoalmente nesse reconhecimento: promovem inaugurações com o parlamentar, instalam placas com seu nome e o citam em entrevistas. Como esses prefeitos de pequenas cidades exercem grande influência sobre o eleitorado, a estratégia tende a render frutos nas urnas.
Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais
“}]]