Cursos técnicos: é imperativa uma maior valorização no Enem e nos vestibulares
A partir de 2022, com a nova carga horária de 3.000 h do Novo Ensino Médio, houve um despertar, um ecossistema propício para uma oferta mais significativa de vagas para os cursos de nível médio de Educação Profissional Técnica (EPT), os chamados cursos técnicos, o que não se converteu, no entanto, em um expressivo incremento em matrículas. No Brasil, em 2024, apenas 17,2% dos alunos do Ensino Médio estavam matriculados em cursos técnicos, muito aquém do Chile (40%), dos países da OCDE (46%) e seguramente muito abaixo da média mundial. É, todavia, um modesto avanço em relação à média de 10% durante a vigência do Antigo Ensino Médio (até 2021).
Ademais, o Plano Nacional de Educação (PNE) estabeleceu como meta, até 2024, alcançar 4,8 milhões de matriculados em cursos técnicos, número que atingiu apenas perto da metade (2,57 milhões). Esse cenário reflete uma grande preocupação dos setores produtivos em nosso país: a maioria das empresas empregadoras se queixa do déficit desses profissionais, o que atualmente representa um gargalo, como bem manifestado pelo presidente da TOTVS, gigante desenvolvedora de softwares: “Corremos o risco de um apagão sistêmico de capital humano.”
Considerando que, de acordo com dados do IBGE, apenas 36% dos estudantes de escolas públicas ingressam em uma faculdade, isso significa que 64%, maioria absoluta, priorizam o mercado de trabalho. Para esse contingente, a formação técnica é a que melhor faz a conexão entre o ensino e a vida real, abrindo as portas para o estágio, a capacitação e a remuneração.
Outro fator relevante é que, nos cursos técnicos, a taxa de evasão reduz em até 50%, segundo a Fiocruz, bem como a de reprovação, especialmente quando as ofertas são articuladas com as demandas regionais, pois os cursos funcionam como uma mola propulsora que dá tração à aplicação prática dos conhecimentos teóricos, além de oportunizar a já mencionada monetização em virtude do ingresso imediato no mercado de trabalho. É um santo remédio para o enfrentamento de um de nossos maiores dramas sociais: os 5,3 milhões de jovens entre 15 e 24 anos que nem estudam nem trabalham, jocosamente chamados de “nem-nem”, fato que pode comprometer o futuro de toda uma geração e do próprio país.
O técnico formado, porém, enfrenta alguns desafios extras na busca pelo curso superior, seja imediatamente, seja alguns anos depois, pela perspectiva de ampliação da carreira. Com parte de sua rotina diária tomada pela jornada de trabalho, enfrenta uma luta desigual por uma vaga na universidade, uma vez que concorrerá com estudantes com mais tempo livre e com mais bagagem nos temas cobrados nas avaliações de vestibulares ou no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), cuja nota, por vezes, serve para o aceso ao Ensino Superior. Dizemos isso porque, no curso técnico, as 600 h dos Itinerários Formativos de Aprofundamento (IFA), assim como parte da Formação Geral Básica (FGB), deixam de ser dedicadas ao conteúdo voltado ao ingresso no Ensino Superior. Por exemplo, enquanto muitos técnicos formados não tiveram em sua matriz o componente curricular Matemática Financeira, foi esse o tema de 8 das 45 questões da prova de Matemática do Enem de 2024.
Por outro lado, um técnico com bons conhecimentos e experiência prática tem grande potencial de se destacar em uma graduação na mesma área, além de enriquecer o aprendizado dos colegas ao compartilhar aquilo que muitos dos demais estudantes só veem nos livros. Quer melhor exemplo do que o da professora da Educação Infantil ou dos Anos Iniciais que, além da Pedagogia, tenha também concluído o Curso de Formação de Docentes (antigo Magistério ou Normal)?
Isto posto, necessitamos, sim, de colégios que preparem o estudante para a aprovação em universidades mais concorridas, porém também é absolutamente necessária uma fórmula que valorize os estudantes de cursos técnicos no momento de ingressar no Ensino Superior. E isso pode ser concretizado por meio da aplicação de um bônus sobre a nota que o diplomado em um curso técnico (oriundo de escolas públicas ou privadas) obtiver na prova do Enem, sem prejuízo ao sistema de cotas em vigor. Estimula-se, dessa forma, que o bônus possa ser aplicado nos vestibulares das universidades públicas, com a devida observância da autonomia universitária.
O que se quer aqui é a reflexão de uma sugestão viável: valorizar a verticalização na formação do estudante que cursou um itinerário profissional técnico, de modo que ele seja incentivado ainda mais a ingressar no Ensino Superior. Exemplo: um estudante que tivesse finalizado o curso técnico em Desenvolvimento de Sistemas teria uma pontuação de bonificação no Enem (e em avaliações de vestibulares), caso optasse por uma graduação em Ciência de Dados. Vale enfatizar que o próprio Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (documento normatizador da oferta no Brasil) traz sugestões de verticalização para o Ensino Superior em cada um dos cursos técnicos.
Certamente, um elã significativo para que o segmento das escolas privadas investisse mais em cursos técnicos, cujo percentual de matrículas atualmente é muito baixo, conquanto o Sistema S representa elevada qualidade nessa modalidade de oferta. É imperativo propor alternativas para um up, um estímulo aos estudantes a se matricularem nessa opção tão relevante e necessária ao Brasil, caso também queiram posteriormente ingressar no Ensino Superior. Vamos, a seguir, melhor argumentar a nossa proposta.
Considerando que as quatro áreas do conhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais) e a Redação compõem, cada uma delas, 20% do cômputo geral da nota do Enem, poderia ser esse também o percentual de bonificação aos diplomados em cursos técnicos nas provas do Enem, ou seja, seria aplicado um fator multiplicador de 1,2 à nota final no exame, conquanto o curso técnico tivesse aderência (ou afinidade, ou compatibilidade, qual substantivo queira) com a vaga disputada. Assim, o estudante que concluísse um curso técnico em Agropecuária, Agronegócio, Agricultura, Zootecnia ou Florestas seria elegível ao bônus para ingresso em Ciências Agrárias e Ciências da Terra, por exemplo, mas não em Odontologia, Direito ou Engenharia Civil. De per si, se o candidato tivesse o diploma em Técnico em Eletrotécnica, teria o bônus de 20% aplicado para o ingresso nas engenharias Elétrica, Eletrônica, Energia ou Telecomunicações.
É preciso despertar a consciência cívica diante da gravidade dos resultados sobejamente conhecidos de nossa participação em avaliações que mensuram o desempenho dos estudantes do Ensino Médio, tanto internacionais (o Pisa é apenas um dos exemplos) quanto nacionais, como o Saeb (cujo resultado nunca obteve nota superior a 5, numa escala que vai até 10). Esse baixo desempenho também é um dos fatores que contribuem para a repetência e a evasão escolar, as quais implicam em graves consequências sociais e financeira ao país: estudo feito pelo economista Ricardo de Barros, do Instituto Ayrton Senna, publicado na Revista Exame, indicou que, em 2017, o abandono e a reprovação no Ensino Médio representaram um gasto de aproximadamente 100 bilhões, que poderia ter sido minimizado grandemente com mais estímulos ao ingresso nos cursos técnicos.
A articulação da Educação Profissional com o Ensino Médio, aliada à valorização da verticalização para o Ensino Superior, representa um caminho estratégico para o avanço de uma educação comprometida com o pleno desenvolvimento do estudante, sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
P.S.: Com a Lei Federal nº 13.415/17, que vigorou em 2022, 2023 e 2024, teve início a prática da carga horária mínima de 3.000 h para os três anos do Ensino Médio, distribuídas em 1.800 h para FGB (Formação Geral Básica), 1.200 h para IF (Itinerários Formativos). De per si, a Lei Federal nº 14.945/24, com vigência a partir de 2025, manteve as 3.000 h, porém alterou a distribuição: 2.400 h para FGB e 600 h para IFA (Itinerários Formativos de Aprofundamento).