Caso Ultrafarma: lobista também oferecia ‘consultoria’ sobre tributos federais
O empresário Celso Éder Gonzaga de Araújo é apontado pelo Ministério Público de São Paulo como um lobista do esquema que teria movimentado mais de R$ 1 bilhão em propinas na Secretaria da Fazenda do Estado. Os investigadores têm indícios de que ele também oferecia “consultoria” a empresas com débitos em tributos federais. O Estadão pediu manifestação da defesa.
Celso foi preso na semana passada na Operação Ícaro, que também capturou o empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, e o diretor estatutário da Fast Shop, Mário Otávio Gomes – ambos, agora, em regime de prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica.
A Polícia Federal foi até a casa dele em Campo Grande para fazer buscas e apreendeu mais de R$ 1,2 milhão em dinheiro vivo, além de dólares, euros, criptomoedas e dois pacotes de esmeraldas, o que levou a Justiça de São Paulo a decretar a prisão preventiva de Celso Éder Araújo por suspeita de lavagem de dinheiro.
A mulher do empresário, Tatiane da Conceição Lopes, também foi presa, mas já conseguiu passar para o regime domiciliar com tornozeleira.
Para os investigadores, a quantidade de dinheiro em espécie “evidencia, de forma inequívoca, que estão lavando recursos de origem criminosa” e que poderiam estar se preparando para fugir. O casal responde a pelo menos seis processos criminais por estelionato e organização criminosa em Mato Grosso do Sul.
Celso é descrito na investigação como “notório estelionatário“. Ele chegou a ser preso na Operação Ouro de Ofir, da Polícia Federal, por suspeita de golpes a investidores atraídos pela promessa de retornos milionários com a repatriação de corretagens da venda de ouro.
Segundo as denúncias, o empresário alegava ter mais de R$ 1 trilhão para receber pela intermediação de transações de compra e venda de ouro no exterior. Ao abordar as vítimas, ele dizia que o dinheiro estava bloqueado pelo Banco Central e pedia adiantamentos, prometendo pagar valores exorbitantes de volta. O processo foi trancado em junho pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

‘Operador nacional’
Os investigadores avaliam que Celso Éder é um lobista de “pegada nacional”, “um avião”, envolvente. Ele não agia apenas no âmbito de Secretarias da Fazenda em vários Estados, mas também oferecia “consultorias” a empresas envolvidas em dívidas de tributos federais, segundo uma linha da investigação. Celso Éder teria bom trânsito não apenas em Secretarias de Estado da Fazenda, mas também em ambientes federais.
Em um contrato de “assessoria” para uma empresa em dificuldades para acessar créditos em tributos federais, ele pretendia cobrar honorários de R$ 95 milhões.
Fontes envolvidas na investigação afirmam que o empresário é um “lobista nacional” e não descartam o envolvimento dele em esquemas semelhantes, vinculados a tributos federais.
Segundo os investigadores, por enquanto não há sinais de que o fiscal Artur Gomes da Silva Neto tivesse estendido diretamente seu esquema de facilitação a créditos tributários estaduais para a área federal. Essa suspeita recai sobre Celso Éder.
O Ministério Público avalia compartilhar, “em algum momento”, uma cópia da Operação Ícaro com a Receita Federal.
Os promotores de delitos econômicos destacam o fato de que Celso é sócio da mãe de Artur Gomes.
Para os promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec), braço do Ministério Público de São Paulo que investiga crimes contra a ordem econômica, Celso e sua mulher Tatiane participaram “ativamente” das manobras de lavagem de dinheiro do auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, apontado como o “cérebro” do esquema de corrupção na Secretaria da Fazenda do Estado.
Segundo a investigação, o casal tem um “papel central na dispersão” das propinas.
“Analisando-se a quebra telemática, verifica-se que Celso e Artur possuem relação próxima, inclusive buscam a oportunidade de negócios em conjunto”, apontou o MP ao pedir a prisão do lobista.
Segundo a investigação, Artur cobrava propinas de empresas varejistas para orientá-las e facilitar a restituição de créditos de ICMS.
A mãe do auditor fiscal, Kimio Mizukami da Silva, uma professora aposentada da rede pública de São Paulo, transferiu R$ 16,7 milhões para Celso e Tatiane entre junho de 2022 e janeiro de 2024. A idosa de 73 anos consta como dona da empresa Smart Tax, de consultoria tributária, que segundo os investigadores foi criada no papel para incorporar as propinas pagas ao filho.
O lobista e Kimio são sócios na empresa DAC Meio de Pagamento Ltda. A companhia tem capital social declarado de R$ 3,4 trilhões e recebeu, entre julho de 2023 e agosto de 2024, R$ 54 milhões.
A defesa pediu a revogação da prisão preventiva do lobista, mas o juiz Paulo Fernando Deroma de Mello, da 1.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de São Paulo, negou.
O Ministério Público alega que, mesmo com tornozeleira, o lobista poderia “facilmente ter acesso ao sistema financeiro e continuar, incessantemente como vem fazendo, pondo em prática as manobras de lavagem de capitais por meio de transações financeiras, operações em câmbio paralelo, compra de pedras preciosas, dentre outras mais variadas formas de manobras de lavagem”.