Juíza vê ilações e absolve ex-corregedor tributário de SP acusado de comprar 65 imóveis com propinas
A juíza Larissa Kruger Vatzco, da 14.ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, absolveu o auditor fiscal de Rendas Marcus Vinícius Vannucchi – ex-corregedor tributário da Secretaria de Estado da Fazenda -, réu em uma ação civil de improbidade movida pelo Ministério Público. Os promotores atribuíram a Vannucchi lavagem de dinheiro – envolvendo na acusação a ex-mulher e a mãe dele, além de duas empresas.
O dinheiro – supostamente oriundo de propinas -, teria sido lavado via a compra de 65 imóveis. Segundo a ação, o fiscal apresentou movimentação de recursos financeiros e acúmulo de patrimônio ‘absolutamente incompatíveis com seus rendimentos’ no exercício de suas funções públicas.
‘Meras ilações’
Em sentença de 20 páginas, Larissa Vatzco afirma que a acusação não comprovou a prática de ato doloso, recebimento de vantagem indevida em razão do cargo e a desproporcionalidade entre o patrimônio adquirido e a renda lícita de Vannucchi.
“A petição inicial (da Promotoria) contém meras ilações e probabilidades, inclusive imputando simulação a terceiros, que não encontram respaldo em prova efetiva e concreta”, advertiu a juíza.
Para ela, não havendo prova da conduta dolosa de improbidade imputada a Vannucchi, também torna-se ‘inviável a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa aos corréus’.

Segunda absolvição
É a segunda absolvição do ex-corregedor em apenas dois meses. Pelos mesmos fatos ele também já havia sido denunciado criminalmente pelo Ministério Público, tornando Vannucchi réu em uma ação penal por crimes de corrupção passiva (seis atos), lavagem de dinheiro, organização criminosa e falsidade ideológica.
Em junho passado, a juíza Marcia Mayumi Okoda Oshiro, da 2.ª Vara de Crimes Tributários, sentenciou. “Não existe prova suficiente para a condenação e nem prova suficiente da existência do fato.”
Em sua decisão, a juíza da 14.ª Vara da Fazenda Pública também suspendeu a ordem de bloqueio e de indisponibilidade de bens e ativos de Vannucchi e sua família – medida cautelar que havia sido imposta no início da ação civil para garantia de eventual ressarcimento ao Tesouro de valores que teriam sido desviados.
Larissa Vatzco destacou trechos da sentença no âmbito criminal que absolveu o fiscal.
Segundo o Ministério Público, o ex-corregedor enriqueceu ilicitamente ‘notadamente por aquisição de bens com valores desproporcionais à renda declarada’.
“No Brasil o patrimônio sonegado é fruto, basicamente, do tráfico de drogas e da corrupção. Portanto, não havendo qualquer indício de que a família (fiscal, mulher e mãe) se dedique ao tráfico, não é difícil inferir a origem da evolução patrimonial a descoberto, a qual coincide com o período em que o requerido Marcus Vannucchi ocupava cargo público na administração fazendária do Estado de São Paulo”, sustentou a Promotoria.
Os promotores citaram a apreensão de US$ 180 mil e também hum mil e 300 euros, tudo em espécie, em um bunker oculto na casa de Olinda Alves do Amaral Vannucchi, a ex do fiscal, no interior de São Paulo.
No mérito, a Promotoria pediu a condenação solidária de Vannucchi e sua família a indenizar o dano moral coletivo ‘a ser revertido em prol do erário público do Estado de São Paulo’. Requereu, ainda, a condenação de Vannucchi à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; pagamento de multa de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial; e outras sanções previstas na Lei de Improbidade.
‘Campo das suspeitas’
A sentença penal, conforme destacado pela própria acusação, absolveu os réus por insuficiência de provas quanto à origem ilícita dos valores”, anotou Larissa Vatzco. “A menção, naquela decisão, a ‘evidências de enriquecimento ilícito’ e ‘formidável evolução patrimonial’ não supre a ausência de prova robusta da origem ilícita dos recursos, requisito indispensável para a condenação. Em suma, o Ministério Público não logrou êxito em ultrapassar o campo das suspeitas e demonstrar, de forma segura, a materialidade do ato de improbidade.”
A juíza da 14.ª Vara da Fazenda foi taxativa. “Não há nos autos prova contábil, perícia ou outro elemento técnico que ateste, após a análise das justificativas e dos documentos apresentados pelos réus, a existência de um patrimônio cuja origem lícita não tenha sido minimamente demonstrada. Se o ato principal de enriquecimento ilícito atribuído ao agente público não restou comprovado, a imputação de participação aos demais corréus, por via de consequência, também não se sustenta.”
Larissa destaca que a mudança na Lei de Improbidade Administrativa pela Lei nº 14.230/2021 reforçou a necessidade de comprovação do dolo específico do agente, ou seja, a vontade livre e consciente de auferir vantagem patrimonial ilícita.
‘Fragilidade das provas’
A mera existência de patrimônio elevado ou de movimentações financeiras atípicas não é mais suficiente para uma condenação, mormente quando o salário do servidor, por si só é alto, e quando a sua família também possui patrimônio, e, principalmente, quando há a mera alegação de incompatibilidade, mas nenhuma prova contábil concreta nesse sentido”, ressaltou a magistrada.
Larissa mandou um recado aos investigadores. “É imperativo que a acusação demonstre o ato funcional praticado com o fim deliberado de enriquecer ilicitamente, o que não ocorreu nos autos. Nesse contexto, a absolvição de Marcus Vannucchi e Olinda na esfera criminal, por lavagem de dinheiro, embora não vincule este juízo cível, reforça a fragilidade das provas.”
“Julgo improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e reputo extinto o feito com resolução de mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil”, sentenciou Larissa. “Com o trânsito em julgado, mantida a improcedência do pedido inicial, proceda-se ao desbloqueio de bens e valores cuja indisponibilidade tenha sido decretada.”