O Brasil Soberano e a qualidade do gasto público
Em um cenário internacional marcado pela intensificação de práticas protecionistas e por um redesenho das dinâmicas comerciais globais, o Brasil enfrenta o desafio de proteger sua base exportadora diante de choques externos que afetam diretamente sua estrutura produtiva. A imposição unilateral de tarifas adicionais pelos Estados Unidos da América sobre produtos brasileiros compromete significativamente o desempenho de diversos setores industriais e agrícolas, ameaçando empregos, contratos internacionais e a estabilidade de cadeias produtivas integradas. Como resposta a esse quadro adverso, o Poder Executivo Federal instituiu o Plano Brasil Soberano, um conjunto articulado de medidas emergenciais para proteger a competitividade e a soberania econômica. Amparado na Medida Provisória nº 1.309, de 13 de agosto de 2025, o plano estabelece diretrizes para o apoio direto a exportadores brasileiros, criação de instrumentos de crédito e garantia, flexibilização de regimes aduaneiros e mobilização da administração pública para absorção de excedentes produtivos.
Para apoiar o Plano Brasil Soberano, foi encaminhado o Projeto de Lei Complementar nº 168/2025, que institui um regime jurídico-excepcional voltado à mitigação dos impactos sociais e econômicos decorrentes da imposição de tarifas adicionais por parte dos Estados Unidos da América sobre exportações brasileiras. A proposta autoriza, de forma temporária e delimitada aos exercícios de 2025 e 2026, que as despesas oriundas de créditos extraordinários e as renúncias fiscais associadas a essa finalidade não sejam computadas nas metas de resultado primário previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme artigo 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal, tampouco nos limites de despesa estabelecidos pela Lei Complementar nº 200/2023, que compõe o atual arcabouço fiscal. Além disso, tais renúncias fiscais ficam dispensadas da exigência de compensação prevista no art. 14 da LRF, observando-se, no entanto, o limite total de R$ 5 bilhões no biênio, como medida de contenção e previsibilidade fiscal.
As metas fiscais são estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que tem como finalidade orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA) e assegurar a compatibilidade entre esta e o Plano Plurianual (PPA). Prevista também no artigo 165 da Constituição Federal, a LDO define as prioridades do governo para o exercício financeiro seguinte, estabelecendo metas fiscais, limites para a dívida pública e diretrizes para a execução orçamentária, incluindo normas voltadas à transparência e ao controle das despesas. O projeto da LDO deve ser encaminhado ao Congresso Nacional para discussão e aprovação até oito meses e meio antes do encerramento do exercício financeiro.
O Anexo de Metas Fiscais, parte integrante da LDO, deve conter as principais informações sobre as metas de receita, despesa, resultado primário, resultado nominal e dívida pública consolidada, tanto para o exercício a que se referirem quanto para os dois subsequentes. Essas metas são fundamentais para orientar a política fiscal e assegurar o equilíbrio das contas públicas.
Conforme noticiado pela Instituição Fiscal Independente no Relatório de Acompanhamento Fiscal nº 101/2025, à luz das projeções já existia uma necessidade de incremento da arrecadação da ordem de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões em 2026, sob risco de se inviabilizar o funcionamento da máquina pública no próximo ano em razão da impossibilidade de contingenciamento de despesas discricionárias.
Até 31 de agosto, o Executivo precisará encaminhar ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, com possíveis medidas para reforço da arrecadação federal para compensar não só o déficit acima previsto, como medidas que viabilizem o Plano Brasil Soberano, sem aumento o exacerbado da dívida pública.
Portanto, mesmo que aprovado o Projeto de Lei 168/2025, o Governo deve aplicar um rígido controle sobre os gastos que serão realizados (ou investimentos, como pode-se preferir) para o real impulsionamento da economia interna frente ao revés apresentado. Boas práticas de revisões de gastos devem ser aplicadas ao caso.
De acordo com o documento de orientação da OCDE acerca do “Best practices for spending reviews” (“Boas práticas de revisões de gastos”), OCDE (2022), OECD Journal on Budgeting, Volume 2022 Edição 1, OECD Publishing, Paris, . As revisões de gastos tornaram-se uma ferramenta essencial na governança fiscal moderna. Seu objetivo é avaliar a eficiência, eficácia e alinhamento das despesas públicas com as prioridades estratégicas do governo. A OCDE destaca que não se trata apenas de cortar custos, mas também de realocar recursos para áreas de maior impacto social e econômico. Entre os principais objetivos estão eficiência, eficácia, alinhamento estratégico e sustentabilidade fiscal.
A OCDE recomenda mandato claro, integração ao ciclo orçamentário, critérios objetivos, envolvimento setorial, equipe técnica e transparência.
A ação do governo é louvável, mas exige controle efetivo por meio de revisão de gastos. Quando bem estruturada, essa prática permite que os governos façam mais com menos, ampliando o valor público entregue aos cidadãos. A revisão é ferramenta de modernização do Estado e aprimoramento da qualidade do gasto público. Afinal, a eficiência fiscal não se mede apenas pelo volume despendido, mas sobretudo pela capacidade de transformar recursos limitados em benefícios concretos e duradouros para a população. Assim vamos, conforme a letra da nossa eterna Elis Regina: Nem sempre ganhando, Nem sempre perdendo, Mas, aprendendo a jogar!
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica