26 de agosto de 2025
Politica

Remédio ou veneno? Segurança jurídica vs. luta contra o totalitarismo

Estamos diante de um grande “dilema”: segurança jurídica versus luta contra o totalitarismo. A maior contribuição de um Direito Constitucional no combate aos personagens populistas e autoritários — pegando de empréstimo os ensinamentos do professor italiano Jacopo Paffarini, da Università degli Studi di Perugia — deveria ser a manutenção do equilíbrio institucional, assim como uma oportuna reforma do sistema federalista, aproximando o exercício de poder e tomada de decisões dos próprios cidadãos em seus municípios.

Paffarini, em seu curso “Combate à Corrupção: Remédio ou Veneno”, discute a dicotomia entre a necessidade de punir os corruptos e o risco de desestabilizar o sistema. A analogia é poderosa: um remédio, por mais potente que seja, pode se tornar letal se a dose for excessiva ou se for administrado sem considerar os efeitos colaterais. É nesse ponto que a lógica de Paffarini se expande e se aplica não apenas ao combate à corrupção, mas também à defesa da própria Democracia.

Embora personagens populistas sejam um perigo iminente à Democracia — real, presente e evidente —, a resposta não pode ser a suspensão das garantias individuais ou a fragilização dos equilíbrios dos Poderes. Isso parece estar se tornando um padrão em alguns dos posicionamentos judiciais do Supremo Tribunal Federal (STF) na atual crise (inter)nacional.

Aqui, a analogia de Paffarini sobre o combate à corrupção se aplica perfeitamente: uma ação repressiva, embora seja um “remédio” potente para combater os excessos e abusos, pode se tornar um “veneno” para o próprio sistema democrático. Assim como a atuação do sistema de justiça na Operação Lava Jato, que, apesar de eficaz, gerou instabilidade política e fragilidade institucional, as atuais decisões do STF correm o risco de, em nome da luta contra o totalitarismo, desrespeitar o próprio Estado Democrático de Direito.

A história da Operação Mani Pulite, na Itália, nos oferece um precedente valioso. Embora tenha revelado uma vasta rede de corrupção, a operação levou ao colapso do sistema político tradicional, resultando na ascensão de figuras populistas e na deslegitimação das instituições democráticas. O “remédio” do combate implacável se mostrou tão potente que quase envenenou o paciente, gerando um vácuo político que permitiu o surgimento de novas formas de autoritarismo. A Lava Jato, no Brasil, ecoou essa mesma dinâmica: a espetacularização e os métodos controversos, apesar de suas contribuições para a punição de crimes, acabaram por minar a confiança pública no sistema de justiça e na política como um todo, fragilizando o tecido social.

Nesse contexto, a solução para o dilema não pode ser uma escolha binária entre combater o totalitarismo ou respeitar as garantias ou uma “luta do bem contra o mal”. É preciso encontrar o equilíbrio. Esse equilíbrio passa, fundamentalmente, pela participação da sociedade civil, fortalecida e consciente de seu papel na fiscalização do poder público. A banalização da ilegalidade e a aceitação de “decisões urgentes” para defender a Democracia corroem a credibilidade das instituições e minam os alicerces democráticos, cabendo à própria sociedade o papel de agente transformador exigindo reformas institucionais sólidas e eficientes, permitindo que o poder seja exercido “de baixo para cima” pelos próprios cidadãos devidamente preparados. Trata-se de estabelecer uma nova cultura para o pleno exercício do controle social numa dimensão cidadã plena consolidada a partir das diversas transferências de competências às próprias comunidades locais, como defende Paffarini.

O verdadeiro desafio é construir um sistema que seja eficaz no combate ao totalitarismo e à corrupção, sem renunciar à segurança jurídica e aos princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito. O caminho a ser trilhado, portanto, não é o enfraquecimento das Constituições para acomodar a repressão, o totalitarismo ou a corrupção, mas o seu fortalecimento para que possam enfrentar os problemas políticos, sociais e econômicos que se apresentem sem comprometer os próprios alicerces democráticos. Eis o desafio que palpita não só no Brasil, como em outras democracias contemporâneas.

 

 

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