5 de setembro de 2025
Politica

Desembargador vê ‘stalking’ contra Nunes e barra inquérito da PF com mais de sete anos

Em seu voto pelo trancamento do inquérito da Polícia Federal que manteve durante mais de sete anos o prefeito Ricardo Nunes (MDB) sob suspeita de desvios de recursos de merenda das creches municipais, o desembargador Fausto Martin de Sanctis alertou para o ‘fenômeno contemporâneo da políticofobia, entendida como medo, aversão ou hostilidade exacerbada dirigida à política e a seus membros’.

“De forma objetiva, vislumbra-se odiosa situação de sucessivas prorrogações de inquérito policial por anos, sem vislumbrar seu fim, com indevida restrição ao paciente (Nunes) de sua liberdade política, e consubstancia-se verdadeiro stalking ao lhe impingir perene ameaça e vigilância”, assinalou o desembargador, do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3).

O voto de Fausto foi vencedor pela concessão de habeas corpus a Nunes, que, assim, se livra do inquérito da PF. Por dois votos a um, a Corte sepultou o inquérito policial.

Outros 116 investigados já haviam sido indiciados, mas Nunes não.

Os investigadores pediram prorrogação do inquérito – aberto em 4 de junho de 2019, ainda no tempo em que o emedebista exercia mandato de vereador paulistano – em busca de indícios que ligassem o principal alvo do escrutínio a desvios de recursos públicos.

O pedido para alongar ainda mais o inquérito foi feito às vésperas do segundo turno das eleições municipais de 2024 – pleito, afinal, vencido por Nunes. A 8.ª Vara Criminal da Justiça Federal autorizou a prorrogação em 19 de novembro de 2024.

Contra essa decisão, a defesa do prefeito ingressou no TRF3 com pedido de habeas corpus para trancar o inquérito da PF.

O desembargador aponta em seu voto ‘coação ilegal decorrente do excesso de prazo do expediente policial em que se pretende dar continuidade a eventuais diligências apuratórias em face de Ricardo Nunes’.

O desembargador incluiu no texto o capítulo ‘Da Responsabilidade polícia e o Estado de Direito’ para condenar investigações sem fim. “De forma objetiva, vislumbra-se odiosa situação de sucessivas prorrogações de inquérito policial por anos, sem vislumbrar seu fim, com indevida restrição ao paciente (Nunes) de sua liberdade política, e consubstancia-se verdadeiro stalking ao lhe impingir perene ameaça e vigilância”, escreveu Fausto.

Para ele, ‘não se deve estigmatizar o indivíduo pelo simples fato de ser político’. “Tal atitude não corresponde à crítica legítima. A denúncia da corrupção, quando existente, deve ser combatida com rigor, mas jamais ser mero instrumento de ameaça ou silenciamento dos representantes escolhidos democraticamente pela maioria.”

Na avaliação do magistrado, ‘a marginalização da figura do político, enquanto tal, equivale à erosão da própria legitimidade do sistema republicano’.

Fausto de Sanctis considera que ‘ser político não invalida os valores de honestidade e correção em que acreditamos, tampouco os desqualifica como cidadãos’.

“Assim, como se combate legitimamente a homofobia, a islamofobia, o antissemitismo, o racismo, a cristofobia, de igual forma deve-se agir com relação à politicofobia, a intolerância política estimulada por campanhas de manipulação, inconfundível com legítimas opiniões e críticas, que são bem-vindas”, segue.

Decisão beneficia prefeito de São Paulo; investigação foi aberta há sete anos, quando ele ainda era vereador.
Decisão beneficia prefeito de São Paulo; investigação foi aberta há sete anos, quando ele ainda era vereador.

Situação avessa

O desembargador aponta para os efeitos de um inquérito tão longevo. “Passados 7 anos e meio da data dos fatos, a permanência desta apuração, sem definição tampouco indiciamento, contra um político representa situação avessa ao legítimo direito do Estado de repreender fatos criminosos’.

“Não se afirma, no caso, que estaria havendo motivação espúria de agentes públicos ou políticos na investigação, com endosso do Poder Judiciário (…)”, ele ressalva.

Para Fausto de Sanctis, ‘ser político, em sua essência, deveria significar um estilo de vida fundado em valores universais, como bem defendeu Cristo, no amor ao próximo como a si mesmo’.

“Tal concepção transcende convicções religiosas ou teístas: pertencem ao patrimônio ético da humanidade. Ao político, portanto, cabe a responsabilidade de proteger a sociedade e as famílias, orientar a juventude, amparar crianças, pobres, idosos e enfermos – enfim, servir ao bem comum”, pondera o magistrado.

“Ocorre que a classe política por vezes tem sofrido discriminação real e censurável”, segue.

O inquérito de Nunes

O inquérito que espreitava o prefeito foi concluído em 30 de julho do ano passado. A PF apontou a necessidade de continuar com a apuração sobre participação de Nunes em supostos ilícitos em relação à uma associação apontada como eventual integrante de grupo criminoso voltada ao desvio de verbas públicas, dentre as quais, recursos oriundos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE/FNDE), destinadas aos Centros de Educação Infantil (CEIs/Creches) da cidade.

“Passados mais seis anos de investigação, cinco anos entre a instauração do inquérito e a conclusão, e sete anos e meio da data dos fatos, a autoridade policial indiciou 116 indivíduos, mas não reuniu elementos capazes de vincular Ricardo Nunes aos supostos crimes ventilados, inexistindo notícia de que tampouco foi produzido qualquer elemento nesse sentido no expediente policial”, assevera o desembargador Fausto Martin de Sanctis.

Fausto Martin De Sanctis é desembargador no TRF3.
Fausto Martin De Sanctis é desembargador no TRF3.

Confusão contábil

Com relação à empresa da família de Nunes, chamada NIKKEY, anota Fausto, ‘a prova testemunhal e documental torna inverossímil a suspeita de que constituiria empresa de fachada ou que teria dissimulado a prestação de serviço de dedetização à associação frente ao pagamento ocorrido em 27 de fevereiro de 2018, de R$ 31.590,16 (dos quais R$ 11.590,16 em dois cheques compensados na conta pessoa física de Ricardo Nunes’.

“O que se verificou foi a existência de confusão contábil entre a pessoa jurídica da família e a pessoa física de Ricardo Nunes, diante de serviços de dedetização devidamente prestados (conforme prova oral e documental) por aquela empresa familiar”, argumenta o magistrado.

“O recebimento de dois cheques totalizando R$ 11.590,16 na pessoa física do prefeito de São Paulo (e não pela prestadora dos serviços), gestor que está há anos sob responsabilidade do terceiro orçamento nacional (cerca de 100 bilhões de reais) gerou toda sorte de especulação que após mais de seis anos de investigação não evoluiu para além do alegado equívoco contábil”. crava o desembargador.

Ele pontua, ainda. “Também por força do princípio da não-culpabilidade, os atos criminosos supostamente praticados por meio da associação não podem ser automaticamente estendidos a Ricardo Nunes apenas porque uma diretora da entidade foi empregada da NIKKEY, em não havendo qualquer outro elemento probatório’.

Período de inércia

O magistrado avalia ‘ausente a unidade de desígnios imprescindível à inserção de Nunes na trama delitiva, em relação à qual, aliás, o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo arquivou inquérito civil’.

Inércia policial

Fausto argumenta que ‘os esforços de investigação deveriam ter sido eficientemente envidados no elástico período de inércia policial. desde meados de 2022, ano da audiência do prefeito pela Polícia, pois já estavam materializados nos autos todos os principais elementos de informação, inexistindo justa causa para manter a investigação aberta em caráter eterno’.

Fausto Martin de Sanctis escreveu. “Não bastante o constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo, ferindo a razoabilidade cronológica do tempo constitucional de apurações e o preceito da não-culpabilidade, quando não constitua meio de tortura e/ou coação para satisfação de interesses escusos, a manutenção de um inquérito em aberto sem a produção de qualquer fruto elucidativo em face de Ricardo Nunes aponta para o risco de a persecução penal servir a fins ilícitos, notadamente por causar dano reputacional, efeito incompatível com o legítimo interesse estatal de punir e um verdadeiro desserviço à Justiça’.

Ainda o desembargador. “O uso da máquina estatal em perene investigação sem razão a pender como uma espada de Dâmocles sob a pessoa é contrário às garantias fundamentais individuais, pois avançaria em um proceder próprio do Direito Penal do Inimigo e não do Direito Penal dos Fatos. Punir-se-ia a pessoa e sua convicção, o que é censurável, e não o fato ilícito perpetrado, o que é desejável.”

Fausto considerou ‘imperioso o trancamento do inquérito desmembrado para continuar apurando a suposta participação de Ricardo Nunes nos eventuais ilícitos’.

Ele adverte que ‘o constrangimento ilegal inerente à permanência de uma investigação em aberto sem definição com endosso do Poder Judiciário, manifesta-se, de forma objetiva, odiosa perseguição velada, um verdadeiro stalking, por impingir sobre o político perene ameaça e vigilância’.

O magistrado reconheceu o ‘constrangimento ilegal’ imposto a Nunes decorrente da decisão judicial (primeira instância) que autorizou o prosseguimento e o desmembramento da investigação, de sorte a determinar o trancamento de toda investigação’.

COM A PALAVRA A DEFESA DE RICARDO NUNES

Em nota, os advogados do prefeito Ricardo Nunes – criminalistas Daniel Leon Bialski, Bruno Garcia Borragine, André Mendonça Bialski e Luís Felipe D’Alóia – informaram.

“Os advogados do prefeito Ricardo Nunes celebram que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região tenha declarado e reconhecido o espúrio constrangimento ilegal, reconhecendo a absoluta falta de justa causa para a continuidade das investigações a seu desfavor, determinando o trancamento do Inquérito Policial que estranha e arbitrariamente prosseguia na Policia Federal.”

 

 

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