5 de setembro de 2025
Politica

Cannabis medicinal pode salvar vidas, mas não cura o preconceito

Poucas plantas carregam tanto peso simbólico quanto a cannabis. Durante décadas, foi associada à marginalidade, ao crime e ao medo. Mas, no silêncio das famílias e nos corredores de hospitais, a mesma planta se transformou em remédio. Para muitos pacientes, não se trata de ideologia, mas da diferença entre viver com dignidade ou sofrer sem alternativas.

O Brasil já avançou em leis estaduais e municipais que autorizam o uso de medicamentos à base de cannabis. A Anvisa também abriu caminhos ao permitir importações e liberar alguns produtos em farmácias, mas sem uma lei federal clara, o país permanece preso a um paradoxo no qual decisões judiciais e normas da agência dão respaldo, mas o acesso continua caro, desigual e inseguro. Assim, pacientes seguem dependendo de liminares e da boa vontade de médicos.

Como advogado, já acompanhei famílias que entraram três vezes na Justiça em um único ano para garantir o medicamento de que um filho precisava. Elas venceram todas as ações, mas me confessaram que trocariam cada vitória jurídica por uma lei simples, que lhes desse paz. Essa é a realidade brasileira, onde a saúde, em vez de ser um direito universal, ainda funciona como privilégio de quem pode pagar advogados ou importar tratamentos.

Mas o impasse não é apenas legal, é também cultural. O país ainda insiste em confundir prescrição médica com permissividade recreativa. Essa associação distorce o debate e transforma a política em arena moralista, onde argumentos científicos são soterrados por velhos preconceitos. É como se a dor de um paciente pudesse esperar até que o Congresso resolva seus dilemas ideológicos.

Esse roteiro não é novo. O anticoncepcional, nos anos 1960, e os antidepressivos, nos anos 1980, também enfrentaram resistência antes de se consolidarem como parte da medicina. Primeiro vem o preconceito, depois a aceitação silenciosa e só então a lei.

Apesar disso, há sinais de mudança. O preconceito diminuiu, médicos prescrevem com mais segurança e pesquisas científicas ganham espaço. Cada família que luta por um parente, cada paciente que busca dignidade e cada juiz que reconhece o direito à saúde já constroem, pouco a pouco, a estrada que falta ao legislador percorrer.

No fundo, a questão não é se o brasileiro está pronto para os medicamentos à base de cannabis. A questão é se o Brasil está pronto para colocar a vida acima da ideologia. O atraso não está apenas nas leis, mas em nós mesmos. E justamente por isso, a mudança é possível.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *