Lei da Ficha Limpa: o que muda após alteração aprovada no Congresso?
O Senado Federal aprovou nesta terça-feira, 2, por 50 votos a 24, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, que unifica a contagem do prazo de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa, reduzindo o tempo de afastamento das urnas. A proposta, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), já havia passado pela Câmara dos Deputados em 2023 e agora depende de sanção presidencial para se tornar lei. O Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) defende o veto, afirmando que a proposição “desfigura a Lei da Ficha Limpa”.
Atualmente, os oito anos de inelegibilidade previstos na Lei da Ficha Limpa começam a contar após o término do mandato em curso. O novo texto antecipa esse marco para a data da condenação, renúncia ou decisão que determine a perda do cargo. Na prática, reduz o prazo longe das urnas dos condenados. As regras valem para membros do Poder Executivo e do Poder Legislativo em nível federal, estadual e municipal.
Assim, se hoje um deputado, senador, prefeito, governador ou vereador cassado pelos pares fica inelegível pelo resto daquele mandato e mais oito anos seguintes, passará a ficar impedido apenas pelo prazo de oito anos, sem considerar também os anos que faltam para que o mandato termine.

“Desde o início da lei, havia críticas de que, em alguns casos, a pena de 12, 15 ou 20 anos de suspensão de direitos políticos da condenação e mais os oito anos de inelegibilidade acabava causando uma pena perpétua”, explica o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.
Com as mudanças, o tempo da condenação e o da Lei da Ficha Limpa começam a contar ao mesmo tempo, sendo o período máximo de inelegibilidade fixado em 12 anos, mesmo em caso de múltiplas condenações. Também fica vedada a aplicação de mais de uma condenação quando as ações judiciais se referirem aos mesmos fatos.
“Se você tiver cinco processos diferentes, cinco condenações, o prazo máximo de alijamento do processo eleitoral vai ser de 12 anos”, diz Rollo.
Na prática, políticos que foram presos ou condenados podem se beneficiar da unificação do prazo de inelegibilidade. Se sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ela terá aplicação imediata e contempla esses casos.
Um exemplo é o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (Republicanos-RJ), pai da autora da proposta. Ele ficou preso durante a Lava Jato e, cassado em 2026, teve inelegibilidade declarada até 2027.
De acordo com as novas regras, contando a partir de 2016, quando do processo de cassação, o período de inelegibilidade terminou em 2024 e Cunha poderia concorrer nas próximas eleições.
No caso de políticos acusados de crimes graves, as regras são um pouco mais duras. Para quem foi condenado por corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, racismo, terrorismo, homicídio ou crimes contra a dignidade sexual, os oito anos começam a valer após o cumprimento da pena.
O que passa a valer se o PLP 192/2023 for sancionado
- O período de inelegibilidade de oito anos, determinado pela Lei da Ficha Limpa, começa a contar a partir da data da condenação, renúncia ou decisão que determinou a perda do cargo eletivo;
- O período máximo que uma pessoa pode ficar inelegível é 12 anos, em caso de múltiplas condenações;
- Fica vedada a aplicação de mais de uma condenação por inelegibilidade quando as ações judiciais se referirem às mesmas condutas;
- Em caso de condenação por crimes graves, o prazo de oito anos começa a contar a partir do cumprimento da pena.
A proposta já foi descrita como um “retrocesso muito perigoso” pelo “pai” da Lei da Ficha Limpa, o advogado e ex-juiz Márlon Reis, e é alvo de críticas de entidades em defesa da transparência e do combate à corrupção. O Inac também questiona:
“A Lei da Ficha Limpa é norma garantidora do princípio constitucional da moralidade administrativa, da ética e do processo eleitoral e das relações de representação política mediante o afastamento de personagens comprovadamente indignos para representar o eleitor e certamente as consequências da condenação não podem ser aliviadas, sendo certo que a inelegibilidade de oito anos, correspondente a duas eleições, pena a ser cumprida após o trânsito em julgado da condenação (após se tornar definitiva) é o coração da lei, que foi considerada constitucional pelo STF”, diz o Instituto em nota.
Também é apontada por críticos a ausência da participação popular durante a deliberação sobre as alterações, um contraste com a história da lei, que surgiu após uma mobilização da sociedade civil e contou com mais de 1,6 milhão de assinaturas antes de ser apresentada ao Congresso.
“Juridicamente é um reequilíbrio, até porque a própria Constituição fala que não tem pena perpétua. Mas tem a ótica popular, porque vai haver uma diminuição (do tempo de afastamento) que a sociedade não quer. Precisa saber o que a sociedade quer”, pontua o advogado Alberto Rollo.
Durante a votação do projeto, o relator, senador Weverton (PDT-MA), defendeu que a mudança garante “mais objetividade e segurança jurídica” ao definir com clareza o início e o fim da inelegibilidade. “Não é razoável que nós possamos permitir que a inelegibilidade seja ad eternum”, disse.
Votaram pela alteração da Lei da Ficha Limpa senadores como Rogério Marinho (PL-RN), Tereza Cristina (PP-MS), Renan Calheiros (MDB-AL), Dr. Hiran (PP-RR), Rogério Carvalho (PT-SE) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Alcolumbre declarou: “Eu faço questão dessa modernização, dessa atualização da legislação da Lei da Ficha Limpa para dar o espírito do legislador quando da votação da lei. Está no texto da lei: oito anos. Não pode ser nove, nem vinte. E o meu voto é ‘sim’.”