6 de setembro de 2025
Politica

Fatos não são suficientes para condenar ou absolver Bolsonaro

Dizer que um acontecimento do momento presente é “histórico” é mais um clichê de transmissões esportivas do que uma verdade. Mas é difícil que o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro não seja registrado nos livros didáticos destinados às próximas gerações. Estamos no privilégio de presenciar a história presente.

Mas que história será contada? Será a verdade rigorosa? Será apenas uma versão entre tantas possíveis? Porque, apesar de a sociedade estar pacífica e as pessoas cuidando de seus próprios afazeres, as pessoas seguem divididas sobre o caso. Os fatos incriminam Bolsonaro e seus supostos colaboradores na acusação de terem tentado golpe de Estado? De que maneira?

Para tentar responder a essa pergunta, nos deparamos com uma série de nós górdios. Por exemplo, quais fatos devemos escolher para reconstruir um acontecimento? Somos neutros ou tudo que buscamos explicar são montagens construídas por nós que levam em conta o que nos interessa?

Plenário da Primeira Turma do STF: ministros julgam ação penal em que Bolsonaro e mais sete são réus por trama golpista
Plenário da Primeira Turma do STF: ministros julgam ação penal em que Bolsonaro e mais sete são réus por trama golpista

Damos mais atenção a fatos que corroboram nossas teses, ignoramos o que não nos auxilia. Ligamos os pontos, mas apenas os pontos que consideramos relevantes. É isto o que ocorre quando a acusação e a defesa se debatem no plenário do Supremo Tribunal Federal com visões tão distintas? É isso que ocorre quando petistas e bolsonaristas batem boca nas redes ou de maneira presencial? Em todos os assuntos, não só na política?

O acesso puro aos fatos pode ser um mito, uma ilusão, o que é uma afirmação bastante perturbadora para ser dita por um jornalista (já os filósofos se divertem com isso). Mas não temos acesso inquestionável às coisas do mundo: apenas colocamos as coisas em uma espécie de espaço das nossas razões em busca de certa lógica interna que nos satisfaça. E quanto mais apaixonados por algo, menos os fatos sobre ele são importantes na nossa inescapável reconstrução.

Os chamados fatos sobre a tentativa de golpe podem chegar de maneira filtrada, enviesada e sempre temos que preencher as lacunas com nossas crenças, convicções e predisposições. Na verdade, muitas vezes nós decidimos se vamos ou não aceitar o que os outros consideram como fatos inquestionáveis. Por exemplo, o que realmente Jair Bolsonaro propôs aos comandantes das Forças, em dezembro de 2022, após ter perdido das eleições? Golpe de Estado? Sugestão de estado de sítio, com consulta ao Congresso? Houve apenas conjecturas e sugestões de cenários? Que documentos estavam na mesa? O “réu colaborador” mente ou não mente?

É ilusão que podemos ter acesso à realidade livrando-nos de ideologias, preconceitos etc. Até porque fatos sem teorias não fazem sentido e teorias costumam ser carregadas de ideologias, de predisposições e de afetos. Mas é um passo ter consciência de nossas limitações antes de entrarmos em qualquer debate ou formarmos nossas convicções. Em geral, quanto mais ignoramos nossas imperfeições, nossos pontos certos, mais certezas temos – o que costuma inviabilizar consensos e soluções.

Para não sermos completamente pessimistas e buscarmos uma saída para o dilema proposto, vale relembrar frases ditas por Jair Bolsonaro sobre a qual agora é acusado: tentar transformar o Brasil em uma ditadura. “O erro da ditadura foi torturar e não matar.” Ou: “Eu sou favorável à tortura. Tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também”. Mais uma: “Através do voto você não vai mudar nada nesse País, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com FHC, não deixar para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”.

Para completar: “A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo”. Há muitas outras sentenças nesse sentido ditas pelo agora réu Jair Messias Bolsonaro.

A verdade é que, mesmo que em toda essa história de suposta tentativa de golpe, seguirão fatos que nunca poderemos testemunhar, pois não somos oniscientes. Mas é fato que o passado e tantas declarações de Bolsonaro, ao longo dos tempos, ajudam a ligar os pontos obscuros dessa trama. Não garantem toda a verdade, só um caminho para luz.

Ps: texto escrito a partir das reflexões sobre fatos presentes no livro “Brasil acima da lucidez”.

 

 

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