6 de setembro de 2025
Politica

A aprovação da PEC 66 ameaça a credibilidade do Estado e incentiva a má gestão fiscal

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66/2023, que foi aprovada na data de 2/9/2025, foi apresentada sob o pretexto de ser uma solução para o passivo judicial de Estados e municípios. Na realidade, a PEC é uma agressão à responsabilidade fiscal e transfere para o cidadão o ônus das ações perdidas por prefeituras e Estados. Ao entrar em vigor, veremos muitos efeitos danosos para a saúde fiscal do País e para a credibilidade dos entes públicos.

Um dos efeitos mais diretos será o crescimento do estoque da dívida dos precatórios de forma contínua. A mecânica da PEC resulta em amortização negativa, pois os pagamentos mensais serão inferiores aos encargos de juros e correção. Isso vai comprometer a solvência do ente público no longo prazo e dizimar a esperança dos credores no recebimento de seu precatório.

A proposta é um incentivo à má gestão fiscal. Para o gestor público, o não pagamento de sentenças judiciais se torna uma nova fonte de financiamento frente às opções de mercado, estimulando a judicialização em detrimento da disciplina orçamentária. A PEC criou incentivos que induzem o gestor público à inadimplência, até mesmo para os entes que hoje estão em dia no regime geral de pagamentos.

Ao contrário da redação original aprovada pelo Senado, o texto foi completamente desvirtuado pela Câmara, que optou por afagar os prefeitos e governadores inadimplentes e por aprofundar o martírio dos credores no recebimento de seus créditos. Cabe lembrar que 80% do total de precatórios do Brasil são de NATUREZA ALIMENTAR devidos aos trabalhadores, aposentados e pensionistas, demonstrando, inclusive, que a retórica usada pelo senhores Senadores e Deputados para a aprovação da PEC é que os créditos estão nas mãos dos banqueiros, o que é uma inverdade.

A aprovação da PEC, portanto, traz efeitos imensuráveis e de grande impacto social, amplia a inadimplência e afeta até os níveis de distribuição de renda. Infelizmente, os senadores não evitaram o retrocesso sem precedentes na governança pública afetando a credibilidade do Estado brasileiro.

A estrutura financeira perversa da PEC 66/2023 multiplica a dívida no longo prazo e será insustentável. A PEC não traz novas alternativas de pagamento para o passivo de precatórios, mas, sim, perpetua o CALOTE e busca reduzir à força o valor dos precatórios, modificando a sua correção. Na prática, a dívida com precatórios resultará insolvível. Essa condição é gerada por dois fatores principais que atuam em conjunto: a insuficiência dos pagamentos anuais para cobrir os encargos da dívida e a incapacidade do sistema de absorver o fluxo de novos precatórios.

O conceito financeiro central que expõe a falha da PEC é o da amortização negativa. Isso ocorre quando os pagamentos periódicos de uma dívida são inferiores aos juros e à correção monetária que incidem sobre o saldo devedor no mesmo período. O resultado é que, mesmo com o devedor realizando pagamentos, o valor da dívida só aumenta. A PEC institucionaliza precisamente este fenômeno.

Se não bastasse isso, a PEC também alterou a correção dos precatórios para IPCA mais 2% de juros simples causando uma anomalia financeira. O custo real de financiamento do Estado brasileiro, mesmo para o governo federal, que possui o menor risco de crédito, é sensivelmente superior. Títulos públicos atrelados à inflação (NTN-Bs) remuneram historicamente os investidores com taxas de IPCA mais juros reais compostos entre 5% e 6%. A taxa Selic, referencial para a dívida pública e para as dívidas dos cidadãos com o Fisco, opera em patamares ainda mais elevados. A imposição de juros simples, em vez de compostos, agrava a distorção, pois ignora a capitalização dos juros ao longo do tempo, expropriando ainda mais o valor do crédito do cidadão.

O município de São Paulo é o exemplo mais emblemático do incentivo perverso criado pela PEC. Trata-se da cidade mais rica do País, com uma situação financeira descrita como “invejável”. Em junho de 2025, a prefeitura possuía R$ 20 bilhões em caixa e uma dívida consolidada líquida relativamente baixa, de R$ 5,3 bilhões. Apesar da robustez financeira, a prefeitura acumula um passivo de R$ 33,7 bilhões em precatórios inscritos até 2025, com um atraso de 16 anos, pagando atualmente a ordem cronológica de 2009. Para 2025, a gestão municipal havia se comprometido a destinar R$ 4,8 bilhões (5% da Receita Corrente Líquida – RCL) para realizar o serviço dessa dívida.

Com a aprovação da PEC 66/2023, o desembolso será drasticamente reduzido a metade. Com base no estoque total de R$ 34 bilhões, o município se enquadraria na faixa de pagamento de 2,5% da RCL, resultando em um repasse anual de aproximadamente R$ 2,3 bilhões, uma redução de 42% frente ao valor prometido. Se o cálculo considerasse apenas o estoque em atraso (R$ 28 bilhões, inscritos até 2024), o percentual de pagamento cairia para 2,0% da RCL, diminuindo ainda mais os recursos para a quitação da dívida.

Vejam outra distorção importante. O município de Santos representa o esforço frustrado. Nos últimos anos, o município implementou medidas de gestão para reduzir seu estoque de precatórios e regularizar o pagamento das ordens cronológicas. Esse tipo de esforço exige disciplina, planejamento e, por vezes, sacrifícios orçamentários e políticos. A PEC 66 vai anular o potencial de anular o progresso de municípios como Santos. Por que um prefeito se esforçaria para sanear as contas e honrar dívidas se a Constituição agora oferece a alternativa de pagar o percentual previsto, mesmo sendo insuficiente para liquidar os precatórios?

Outro exemplo dos efeitos maléficos e nefastos da PEC do Calote é o Estado de São Paulo, o mais rico da federação, com as dívidas saneadas e que até 2029 estava caminhando para quitar seus precatórios. Com a aprovação da PEC, vai andar casas no tabuleiro para trás. Vejamos, para o ano de 2025, São Paulo está destinando 3,24% da Receita Corrente Líquida para o pagamento de seus precatórios, ou seja, aproximadamente R$ 8,6 bilhões. No entanto, com a aprovação da PEC, esse percentual cai para 1%, ou seja, R$ 2,7 bilhões ao ano, uma redução de quase 70% ao ano em pagamentos. Mais um exemplo que estava indo bem e inverterá a curva.

A PEC desmantela o mecanismo de incentivo vigente, em que sucessivos mandatos de gestores públicos sérios vinham corrigindo os erros do passado e liquidando dívidas pendentes. Na prática, a Proposta de Emenda nivela por baixo todo o sistema federativo ao abrir a possibilidade de inadimplência para os entes públicos.

Hoje, a correção dos precatórios acontece pela variação da Selic e passará, pela proposta, a ser feita pelo IPCA mais 2% ou Selic, a taxa que for menor. Além disso, no caso de o detentor do precatório optar por não esperar pelo prazo do título, perderá na antecipação negociada, pois está prevista redução dos atuais 40% a 45% do valor real para apenas 20% ou menos.

O que vemos, novamente, é o Congresso Nacional com soluções midiáticas de curto prazo, legislando com olhos sempre na próxima eleição para atender à União, aos governadores e aos prefeitos e deixando ao léu todos aqueles que os elegeram. Aproveitaram o julgamento no STF como elemento de distração e aprovaram a PEC sem chamar a atenção.

Não resta alternativa à Ordem dos Advogados do Brasil a não ser ingressar, mais uma vez, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal para corrigir a PEC do Calote.

 

 

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