Famílias de militares punidos até por crime têm direito a pensão; saiba como funciona
BRASÍLIA – Um benefício instituído por Getúlio Vargas para as Forças Armadas tem sido aplicado de forma distorcida, segundo o Tribunal de Contas da União, ao longo das décadas e gerado gastos milionários à União. Trata-se da “morte ficta”, ou morte fictícia, que equipe militares expulsos das instituições, independentemente das circunstâncias, a oficiais mortos.
Atualmente, de acordo com a Lei 3.765 de 04 de maio de 1960, militares expulsos, sejam eles da Marinha, Exército ou Aeronáutica, têm o direito de que suas famílias recebam pensão proporcional ao tempo de serviço, mesmo que o motivo da sua expulsão seja algum crime grave.

Existem casos em que militares expulsos e condenados por crimes como estupro e tráfico internacional mantêm o direito de suas famílias receberem a pensão militar.
Pode ser o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, do tenente-coronel Mauro Cid e de outros militares envolvidos na trama golpista que começou a ser julgada nesta semana pela Primeira Turma do STF.
Mesmo que eles venham a ser condenados criminalmente na Justiça comum por tentativa de golpe e posteriormente sejam expulsos das Forças Armadas por decisão da Justiça Militar, a lei de 1960 mantém o direito de recebimento de pensão pelas suas famílias.
A lei de 1960 deu a forma atual da morte ficta, mas a sua gênese está em um decreto-lei de 1938 assinado pelo então presidente Getúlio Vargas que estipulava que, a partir de então, as famílias de militares licenciados ou excluídos poderiam receber pensão.
Diferentes levantamentos estimam que a morte ficta custa entre R$ 25 milhões e R$ 43 milhões às Forças Armadas. O menor valor foi identificado pela ong Fiquem Sabendo em levantamento realizado com base em dados abertos de 2023. Já o segundo foi estimado em uma auditoria do TCU publicada no final do ano passado.
A imprecisão desses números está relacionada às dificuldades impostas pelas três forças para acessar esses dados, que não são de transparência ativa — ou seja, não estão disponíveis em uma busca pelo site da Aeronáutica ou da Marinha, por exemplo. O Exército nega recorrentemente pedidos formulados a partir da Lei de Acesso à Informação para compartilhar a quantidade de beneficiários das pensões por morte ficta e os custos desses benefícios.
Uma reportagem do Estadão publicada em setembro de 2023 mostrou que somente a Marinha e a Aeronáutica pagam a pensão para 493 parentes de militares “mortos fictícios”. Os beneficiários incluem parentes de condenados por crimes como homicídio, ocultação de cadáver, abuso sexual e estelionato.