8 de setembro de 2025
Politica

Instituto ligado à primeira-dama do Tocantins encenou entrega de cestas para enganar fiscais, diz PF

O Instituto de Desenvolvimento e Gestão Social, Esportiva e Cultural (Idegesesc), ligado à primeira-dama do Tocantins, Karynne Sotero Campos, pegou cestas básicas “emprestadas” para encenar a entrega de kits à população carente e enganar fiscais da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas).

Segundo a Polícia Federal, o instituto foi presidido por Karynne e contratado pelo governo do marido dela, mas não produziu nenhuma cesta básica, tendo solicitado o “empréstimo” de kits a outra empresa para ludibriar a fiscalização da Setas e “viabilizar a realização de fotos para documentar um fornecimento que jamais existiu”.

PF afirma que instituto 'encenou' entrega de cestas básicas com kits emprestados.
PF afirma que instituto ‘encenou’ entrega de cestas básicas com kits emprestados.

A descoberta foi feita na nova fase da Operação Fames-19, que levou ao afastamento por seis meses do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) sob suspeita de liderar um esquema de desvios de recursos em contratos da pandemia para a compra de cestas básicas e frangos congelados.

Segundo a Polícia Federal, após a apreensão do celular de Paulo César Lustosa – apontado como lobista e operador das fraudes com cestas básicas desde a pandemia, em 2021 -, foi possível identificar a “intensa atuação de Karynne no desvio de recursos públicos destinados à compra de cestas básicas para fornecimento à população carente do Estado”.

Lustosa foi casado com a mulher do governador do Tocantins.

Da análise dos dados obtidos no celular do lobista, segundo a PF, foi possível constatar que o Instituto de Gestão Social “está umbilicalmente ligado à Karynne Sotero Campos desde a sua criação, havendo indícios contemporâneos da intenção de destinar emendas parlamentares para o Idegesesc com o fito de promover uma aproximação de parlamentares estaduais com o governo de Wanderlei Barbosa”.

Ainda segundo os agentes da Operação Fames-19, fase 2, foi constatado que o Instituto mudou de nome para Instituto de Desenvolvimento Educacional, Social e da Saúde (IDSS).

‘Cheio de cesta’

Lustosa e seu irmão Wilton Rosa, também apontado como lobista e operador do esquema, trocaram mensagens sobre a encenação da entrega de cestas básicas, em fevereiro de 2022.

“Eu tô com o carro aqui cheio de cesta. Eu tô doido pra botar essa cesta lá e esperar amanhã fazer a visita lá na Setas né, fiscalização, e depois colocar novamente a cesta no carro e entregar lá pro Rosalino, que ela é emprestada né, ele me emprestou só (sic)“, escreveu Wilton.

As conversas também revelaram fraudes na listagem de beneficiários das cestas. Os irmãos pedem uma lista com 1,5 mil nomes e CPFs para prestar contas da distribuição de kits que, segundo a Polícia Federal, nunca foram efetivamente entregues.

Wilton encaminha ao irmão um áudio com a seguinte mensagem: “Tem como você ver com o PC ou você conhece alguém que tenha uma lista de nomes…. nomes, CPFs… A gente precisa de uns mil e quinhentos nomes ainda pra completar a lista, tá?”

Lustosa responde: “Meu Deus. Tenho nada, irmão, as coisas da campanha queimei tudo.”

A Polícia Federal afirma que políticos, servidores, lobistas, empresários e operadores financeiros participaram de um esquema para direcionar contratos e simular a entrega dos produtos, enquanto o dinheiro na verdade era desviado dos cofres públicos.

A estratégia da organização criminosa, de acordo com a PF, consistia no pagamento antecipado e fraudar a prestação dos serviços.

O Instituto de Gestão Social é descrito na investigação como a “mais obscura” das empresas contratadas.

Controle

Segundo levantamento da Polícia Judiciária Civil do Tocantins, Karynne figurou como presidente do instituto entre 17 de janeiro de 2013 a 16 de outubro 2019. Os investigadores encontraram uma cópia do estatuto da instituição com a assinatura de Karynne no topo da lista, em 4 de outubro de 2019.

“O controle de Karynne Sotero sobre o ente é reforçado pelos diálogos identificados no aparelho celular de Paulo César Lustosa, ocasião em que se constatou que até mesmo as chaves da instituição permaneciam em seu (da primeira dama) poder, mesmo após sua saída formal do instituto”, assinala relatório da PF que amparou a decisão do ministro Mauro Campbell para deflagração da fase 2 da operação, nesta quarta, 3.

A análise detalhada dos diálogos mantidos pelo lobista Lustosa com seus interlocutores “evidencia que Karynne, até os dias atuais, permanece de fato à frente do instituto”, de acordo com a PF.

Segundo a Polícia Federal, “ao que tudo indica, a sra. Karynne continua vinculada ao Instituto até os dias atuais, haja vista que em diálogo entre os irmãos (Lustosa e Wilton) foi firmado que 6 de dezembro de 2024, a deputada estadual Cláudia Lelis os havia procurado para destinar uma emenda parlamentar, preterindo o próprio instituto (vinculado à deputada estadual), o que seria explicado pela intenção de se aproximar da Sra. Karynne”.

Lobistas conversam sobre fraude em listagem de beneficiários de cestas básicas.
Lobistas conversam sobre fraude em listagem de beneficiários de cestas básicas.

Butim

“A despeito de possuir um instituto próprio para fins assistenciais, a deputada estadual Cláudia Lelis teria procurado o instituto da primeira-dama, Karynne Sotero, possivelmente, com o intuito de se aproximar não apenas dela como também do núcleo político do atual governador do Estado”, diz a PF.

Os federais destacam “um diálogo digno de nota” entre Lustosa e seu irmão Wilton – identificado nas mensagens de WahtsApp como Wilton Irmão Líder.

“Ambos se lamentam do fato de boa parte dos recursos da assistência social do Estado do Tocantins ter sido destinada a institutos ligados aos deputados estaduais locais, o que os deixaria de fora da divisão do butim”, contextualiza a PF.

Wilton Irmão Líder: Tô bem. Tô aqui na Secretaria. A temporada de praia está se preparando. Muitas emendas aí para alguns institutos.

PC Lustosa: Moço trem tá tão feio que não sei como vai ser essa temporada. Os institutos são tudo dos deputados, irmão. Andei falando com o pessoal aí. Todos têm um instituto. Como é que faz assim?

Wilton Irmão Líder: É, mas…. mas o…. porque que o pessoal veio atrás de nós, da emenda lá da Cláudia? Veio atrás é de nós. Da emenda lá da Cláudia de 300 mil lá pra reforma lá do… do…. complexo lá do…. do idoso. É, num sei…vamos ver…

PC LUSTOSA: Ela não quer colocar no dela. Simples. Aproximação com Karynne

Wilton Irmão Líder: Hummm

PC LUSTOSA: Isso aí é armação. Cláudia não é boba.

Wilton Irmão Líder: Ali iríamos ganhar 30 mil kkkk

PC LUSTOSA: Pois é. Já era. Passou

10%

Para a PF, a perícia no conteúdo do celular de Lustosa também atesta que, pela “intermediação”, era comum que os irmãos recebessem aproximadamente 10% do valor do repasse destinado por cada deputado estadual.

A investigação descobriu repasses de emendas parlamentares da deputada estadual Cláudia Lelis para o instituto, ainda em 2022, em contratações na Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, quando Karynne ocupava a Secretaria Executiva da pasta, e também na Secretaria de Esportes e da Juventude.

Na análise do celular de Lustosa “foi observado que ele entrou em contato diretamente com a deputada estadual, dizendo sempre, ao se apresentar, que o contato se dava a pedido de Karynne Sotero”.

“A aproximação entre as duas e o próprio governador Wanderlei Barbosa foi registrada em postagens na rede social Instagram, em que ambas apareceram juntas em variadas ocasiões”, acentua o relatório de investigação.

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR AFASTADO DO TOCANTINS

Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa.

Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.

Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população.

COM A PALAVRA, A PRIMEIRA-DAMA

Reitero meu respeito à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e às instituições, ressaltando que irei dedicar-me plenamente à minha defesa, convicta de que conseguirei comprovar minha total ausência de participação nos fatos que estão sendo apontados.

Desejo que tudo seja esclarecido e reestabelecido com brevidade e justiça, pelo bem do povo tocantinense, a quem dedico meu trabalho e compromisso.

COM A PALAVRA, OS DEMAIS CITADOS

A reportagem busca contato com os investigados. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com).

 

 

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