6 de setembro de 2025
Politica

O menino Tom Zé

A Providência é magnânima. Ainda que sem méritos, dela recebemos dádivas de valor incalculável. Sou beneficiário de uma pluralidade. Uma delas: conviver com Tom Zé, esse encanto de pessoa, que conserva a pureza da infância e é uma prova concreta de que o projeto humano continua a ser um sucesso, e não um fracasso.

O mágico profeta da Tropicália foi alvo de eloquente homenagem no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Na noite de 24.6.25, o auditório István Jancsó, no Espaço Brasiliana da USP estava repleto de admiradores desse notável artista, que a todos emocionou com sua lúdica espontaneidade.

O texto “A cosmovisão tropicalista de Tom Zé”, elaborado pelo professor Guilherme Grandi, da FEA-USP, fez um retrospecto da carreira desse extraordinário ser que veio à luz em Irará, na Bahia e depois de passar pela Universidade Federal de seu Estado natal, como discente e docente, chega a São Paulo em 1967, a convite de Caetano Veloso. Em 1968 foi o grande vencedor do IV Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, com a consagradora música “São, São Paulo, meu amor”, desde então um verdadeiro hino paulistano.

Tom Zé constitui uma explosão de criatividade, é um exímio conhecedor da alma brasileira e dos recônditos de nossas mais genuínas tradições. Ousa ao inovar a produção de sons não convencionais e, “por meio da sua cosmovisão sonora, Tom Zé parece ter sempre a intenção de fornecer aos ouvintes uma interpretação do que significa ser brasileiro, do seu sentido, dilemas e contradições”.

Seu destemido pioneirismo instiga estudiosos a se aprofundarem na dissecação de sua obra, mas também “incita a inventar maneiras inusitadas de pensar a música e de perceber o mundo”, como dizem Giuliana Simões e Flávio Desgranges, na apresentação do livro “Tom Zé – Fiz meu berço na viração”. No texto “Tom Zé e a filosofia brasileira: ou passa a aprender com a rua ou não vai sobreviver”, Ivo Mineiro Teixeira afirma que nosso artista sabe amalgamar um caleidoscópio de experiências e “subverte a estrutura tradicional do conhecimento, o princípio da não contradição”, produzindo um legado que faz proliferar explicações filosóficas, ensaios e sólidas teorias.

Todavia, Tom Zé também seduz outros criadores, pois é imenso o rol de parcerias realizadas no decorrer de sua carreira prolífica. O Professor Grandi menciona Elton Medeiros, Odair Cabeça de Poeta, Vicente Barreto, José Miguel Wisnik, Gilberto Assis, Arnaldo Antunes, André Abujamra, Suzana Salles, Jair Oliveira, Luciana Mello, Vange Milliet, Ceumar, Patrícia Marx, Zélia Duncan, Edson Cordeiro, Itamar Assumpção, Paulo Lepetit, Fernanda Takai, Mariana Aydar, Mônica Salmaso, Criolo, Milton Nascimento, Caetano Veloso e muitos outros, numa interminável relação de talentos.

Bela a expressão de que, aos oitenta e oito anos – dois sinais de infinito – Tom Zé segue “sofrendo de juventude”. Antes até de mocidade, Tom Zé exibe a meninice brejeira, uma face mais significativa da infância, pois é um garoto brincalhão, em folguedos espontâneos, na graça de seus gestos, na inquietação que o mantém vivaz no palco. Quem assistiu à sua posse na Academia Paulista de Letras, viu a brejeirice reinar, numa surpreendente captação de atenções e profusão de aplausos.

Análises consistentes de sua contribuição para a cultura universal já têm sido feita pelos doutos. Além dos já citados, um texto antológico do sociólogo José Sousa Martins enalteceu as qualidades inigualáveis de Tom Zé. Eu, na superfície e na simploriedade de alguém que nele só fez reconhecer o amigo de infância, o caçulinha na crença dos valores humanos, só posso aplaudir tais esmeradas apreciações acadêmicas de sua obra.

Para mim, ele representa a síntese do Brasil autêntico, do Brasil que reconhece as suas carências, mas se alegra com as coisas singelas que realmente valem a pena. A afeição, em todas as suas tonalidades. A música, sua milagrosa potencialidade transformadora. A alegria natural que inunda o convívio de pessoas que teriam todos os motivos para chorar e não para rir. Ele traduz a cornucópia de sentimentos que todos experimentamos e que faz parte de nossa condição.

O Tom Zé com a Neusa, que bonito assistir a essa camaradagem há décadas consolidada, que privilégio participar de apresentações verdadeiramente ornamentais de um artista que encanta a todos, mas que fabrica milagres: cada um de nós é capaz de se sentir o único destinatário de sua performance. Poder chamar Tom Zé, a quem venero há mais de uma década, de confrade, é um presente imerecido, mas do qual não abro mão.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *