A esperança resistirá?
Das três virtudes teologais, a esperança é aquela que mais nos anima a prosseguir. A despeito de todas as vicissitudes, das desgraças, das dificuldades que parecem surgir no caminho quais teimosos cogumelos, ela está ali, para mostrar que sempre existe uma possibilidade de superação, por mínima parecer possa.
Para os desalentados, é interessante fazer uma leitura da Carta Encíclica “Spe Salvi”, elaborada e editada pelo filósofo Joseph Ratzinger, que se chamou, quando elevado ao trono pontifício, Bento XVI.
Um homem que foi recebido de forma polêmica na comunidade mundial. Erudito, partícipe de debates com os mais prestigiados filósofos desta era, a exemplo de Jürgen Habermas, por alguns era considerado “o rottweiler de Deus”, tamanha a estatura e solidez de sua visão sobre os dogmas da Igreja.
Tive o privilégio de ter um contato pessoal com ele, quando, na condição de Presidente da Academia Paulista de Letras, a ele entreguei, ao lado de Ives Gandra da Silva Martins e do saudoso Crodowaldo Pavan, o título de “Acadêmico Honorário da APL”. Isso foi possível porque Crodowaldo, um dos mais prestigiosos cientistas brasileiros, integrava uma das Academias de Ciências do Vaticano e era, portanto, “colega” do Papa.
Não acreditávamos que Sua Santidade aceitasse a distinção. Mas, para nossa surpresa, ele se dignou a fazê-lo. Estivemos no Mosteiro de São Bento e ele foi muito carinhoso: recebeu o diploma, segurou nossas mãos e repetia: “Che honore!”, várias vezes. Com um sorriso paternal e uma ternura que desmentia a concepção que parte do mundo nutria a respeito dele.
Foi também extraordinário o seu gesto de renúncia e de recolhimento, quando entendeu que a Igreja precisava de outro líder, que se mostrou muito acima das expectativas: o saudoso Papa verde, o cidadão ecológico Jorge Bergoglio, nosso querido Papa Francisco.
O fato é que Bento XVI reforçou a necessidade de cultivarmos a esperança e sua Encíclica, embora não tenha causado o furor de outras, que abordam temas mais próximos às preocupações da humanidade, é de urgente leitura, principalmente nesta era confusa de geopolítica agressiva e até desumana.
Merece reflexão o que Bento XVI indaga em sua Carta: “Encontramo-nos, assim, novamente diante da questão: o que é que podemos esperar? É necessária uma autocrítica da idade moderna feita em diálogo com o Cristianismo e com a sua concepção da esperança. Neste diálogo, também os cristãos devem aprender de novo, no contexto dos seus conhecimentos e experiências, em que consiste verdadeiramente a sua esperança, o que é que temos para oferecer ao mundo e, ao contrário, o que é que não podemos oferecer. É preciso que, na autocrítica da idade moderna, conflua também uma autocrítica do Cristianismo moderno, que deve aprender sempre de novo a compreender-se a si mesmo, a partir das próprias raízes. A este respeito, pode-se aqui mencionar somente alguns indícios”.
E o Papa continua: “Antes de mais, devemos perguntar-nos: o que é que significa verdadeiramente “progresso”; o que é que ele promete e o que é que não promete? No século XIX, já existia uma crítica à fé no progresso. No século XX, Teodoro W. Adorno formulou, de modo drástico, a problematicidade da fé no progresso: este, visto de perto, seria o progresso da funda à megabomba. Certamente, este é um lado do progresso que não se deve encobrir. Dito de outro modo: torna-se evidente a ambiguidade do progresso. Não há dúvida que este oferece novas potencialidades para o bom, mas abre também possibilidades abissais de mal – possibilidades que antes não existiam. Todos fomos testemunhas de como o progresso em mãos erradas possa tornar-se, e tornou-se, realmente, um progresso terrível no mal. Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior, então aquele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo”.
Sapientíssimas palavras, que nos devem fazer refletir e, mais do que isso, mudar nossos hábitos, nossos costumes, nosso comportamento enfim.