Voto de Fux que cria golpe só de executores tem efeito muito mais político do que jurídico
O voto do ministro Luiz Fux, que acolheu grande parte das preliminares, o que levaria à anulação do julgamento, e também rejeitou a maioria das imputações aos réus tem mais efeito político do que jurídico. A perspectiva é que ele fique vencido e que nem mesmo os embargos infringentes à decisão sejam aceitos, já que seriam necessários dois votos. Nem por isso não há motivo de comemoração para os réus, e, em especial, para a base bolsonarista.
A dureza do voto (dureza só com a própria Corte), incluindo as frases de efeito no acolhimento à preliminar da incompetência do STF para julgar o caso, deu novo fôlego aos argumentos da oposição nas redes sociais. E vai impulsionar tanto a defesa da anistia como a discussão sobre o fim do foro privilegiado. Essa com total conexão com o tema de uma das preliminares. Também servirá para embasar os argumentos no cenário externo.

Quando recebeu a denúncia, Fux também divergiu na questão da competência da Primeira Turma do STF para julgar o caso. A nova divergência aí, portanto, não é surpreendente. Contudo, o tom foi muito acima das apostas. É como se o Tribunal estivesse em julgamento. Além do mais, mesmo em questões que havia acompanhado o relator lá atrás, na análise dos casos dos executores do golpe, houve mudança de entendimento agora diante de réus muito mais poderosos.
Há um ano, ao condenar Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar e Matheus Lima de Carvalho Lázaro a penas que variavam de 14 a 17 anos de prisão, Fux contestou o choro de uma defensora na tribuna. “Se esse golpe desse certo, chorariam de novo as mães de há muito que sequer souberam do destino de seus filhos que foram mortos e perseguidos por delitos de união”, disse ele ao acompanhar Moraes.
Os três foram os primeiros condenados pelo STF pelos atos de 8 de Janeiro. Na época, os cinco crimes imputados eram os mesmos agora apontados para o núcleo crucial. Inclusive o de golpe de Estado. Fux, com voto curto e sem discutir o mérito, acompanhou integralmente o relator. Também não acolheu qualquer preliminar, mesmo que ali não houvesse ninguém com foro privilegiado.
Considerando que, para Fux, agora, nenhum dos integrantes do núcleo crucial do golpe praticou de fato qualquer a conduta de golpe, teríamos que imaginar que, talvez, se o 8 de Janeiro tivesse levado de fato a uma ruptura institucional, os ditadores dos quais escapamos e que nos governariam em regime de exceção seriam hoje esses três aí de quem ninguém nunca tinha ouvido falar. Ou outras centenas de patriotas capturados pela polícia naquele dia e no dia seguinte diante do QG do Exército e que foram condenados a penas duras, em uma organização criminosa que, agora, para o ministro, nunca existiu.
Para chegar à conclusão de que era um golpe só de executores e sem planejadores, Fux precisou adotar algumas posturas pouco ortodoxas. Como dizer que um crime mais grave (como o golpe) foi absorvido pelo menos grave (abolição do Estado Democrático de Direito). Ou a ideia de que só se pode dar golpe quando não se está no poder.
Ainda, a de que uma organização criminosa armada só pode ser assim considerada se, na hora da prisão, a arma estiver na mão do sujeito, sendo utilizada. Como disse o professor Davi Tangerino em live do Estadão, um presentão para figurões de grandes facções criminosas como o PCC ou o Comando Vermelho que não sejam pegos com a arma na mão.
Também curiosa a lógica de que uma delação é válida, tendo sido reconhecida a colaboração de um réu para crimes que, no fim, não teriam existido. Ou que teria existido apenas um deles, praticado apenas pelo delator e por Walter Braga Netto e não pelos demais que ele delatou. Mauro Cid, ajudante de ordens, teve um voto pra condenação, na imputação da abolição do Estado Democrático de Direito. O chefe dele, Jair Bolsonaro, não. Braga Netto, o vice na chapa, teve mesmo destino nas mãos de Fux. O cabeça de chapa não. Mas o golpe mesmo, rejeitado em todos os casos do núcleo crucial, era só de Aécio, Thiago, Matheus e tantos anônimos. É o que concluiu Fux depois de um dia de teorias.