11 de setembro de 2025
Politica

O 7 de Setembro, a bandeira estadunidense e o declínio da liberdade

Datas nacionais carregam um peso simbólico que transcende nosso calendário de feriados. O 7 de Setembro, como marco fundador da soberania brasileira, deveria remeter-nos ao ideal de independência política, econômica e cultural que deu sentido à ruptura com Portugal. É minimamente curioso – e profundamente contraditório e preocupante – que, em pleno Dia da Independência, brasileiros tenham preferido brandir a bandeira de outro país.

Antes de me formar em Direito, cursei dois anos e meio de Ciência Política, na mesma UnB que me ensinou as bases do que hoje entendo por Soberania e Democracia, conceitos que muito me auxiliam diariamente como advogado atuante em Direito Tributário e Aduaneiro.

Por exemplo: com Hegel e seus “Princípios da Filosofia do Direito”, aprendi que liberdade e soberania estão intimamente ligadas em um Estado Democrático, e que a verdadeira liberdade não se realiza nos interesses de indivíduos isolados, mas no povo organizado politicamente. O povo somente é livre quando tem consciência de si enquanto comunidade política autônoma capaz de se autolegislar.

É por isso que Hegel afirma que a independência de um Estado não é simples fato político, mas expressão de sua liberdade. A submissão a potências externas, ou a dependência de símbolos alheios, é a negação da autoconsciência nacional: significa que um povo ainda não se reconhece plenamente como sujeito histórico. Se Hegel já alertava que a liberdade se realiza na autoconsciência de um povo, vivenciamos neste 7 de Setembro algo um tanto quanto paradoxal, para dizer pouco: uma celebração de “independência” transformada em ato de dependência simbólica.

O fenômeno desse 7 de Setembro, infelizmente, não é meramente folclórico. Ele se inscreve numa crise mais ampla de nossa democracia constitucional. Temos atualmente um ex-presidente sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Isso não é exatamente uma novidade. A novidade se encontra no fato de o ex-presidente ser processado e julgado por práticas que atentam contra a ordem democrática.

Um de seus filhos, autoproclamado “refugiado político” e em exílio voluntário em território norte-americano, empenha-se em difamar as instituições brasileiras, clamando por uma improvável tutela estrangeira – chegando a pedir, em atos públicos, intervenção de Donald Trump em nossas questões domésticas. Aquele, um “líder” que não apenas questionou a própria legitimidade do sistema eleitoral de seu país (sistema que, inclusive, já o elegeu em mais de uma ocasião), como também promoveu políticas tarifárias unilaterais agressivas e violadoras dos princípios básico do Comércio Internacional contra o Brasil, além de ter desmontado políticas públicas norte-americanas essenciais nos campos da educação e da imigração.

Do ponto de vista da teoria política, os pedidos de intervenção estrangeira não encontram amparo. Habermas, em sua “Teoria da Ação Comunicativa”, adverte que a legitimidade democrática repousa na participação discursiva interna ao corpo político, não na importação de uma autoridade política externa. O uso da bandeira norte-americana em atos ditos patrióticos constitui uma renúncia simbólica aos princípios da soberania nacional e autodeterminação dos povos (art. 4º, I e II, da Constituição Federal de 1988).

Além disso, é preciso lembrar que a hermenêutica constitucional, sobretudo a partir da interpretação conforme os fins da norma maior, recomenda leitura teleológica e sistemática do texto da CF88. Assim, ao pedir a intervenção de líderes estrangeiros contra instituições brasileiras, estamos diante de uma narrativa que beira a apologia à ruptura constitucional, em direta violação ao art. 5º, XLIV, da Constituição, que tipifica como crime inafiançável e imprescritível as formas organizadas de desestabilização institucional contra a ordem democrática.

Voltando ao acontecimento nada anedótico desse 7 de Setembro e a bandeira estadunidense, lembrei-me novamente da Ciência Política e de Louis Althuser. Em seu ensaio “Idéologie et appareils idéologiques d’État” publicado originalmente em 1970 e posteriormente traduzido para o português sob o título “Aparelhos Ideológicos de Estado”, o autor acrescenta a chave explicativa a este triste episódio.

Segundo Althusser, os sujeitos se reconhecem nos símbolos que os interpelam. E o ato de empunhar uma bandeira estrangeira em um ato cívico nacional não é um gesto neutro. Ele reforça a ideia de que o Brasil deve se alinhar automaticamente a interesses estrangeiros, em detrimento de sua autodeterminação. Isso mostra como a ideologia pode transformar um ato aparentemente “patriótico” em ferramenta de submissão cultural e política.

Assim, evidencia-se que brasileiros, ao se reconhecerem no símbolo norte-americano, foram capturados por uma ideologia que os fizeram renunciar ao sentimento de autonomia e soberania enquanto nação, reforçando uma narrativa de submissão que não deveria existir. Ao empunhar a bandeira estadunidense, em pleno 7 de Setembro, tais grupos não reafirmaram sua liberdade, como ensinaria Hegel, nem exerceram a comunicação democrática no espaço público interno de que fala Habermas. Pelo contrário, tornaram-se sujeitos de uma ideologia que os interpela como dependentes, abdicando da soberania e da autonomia nacional e convertendo a data da independência em um ato de dependência simbólica.

Podemos concluir, no entanto, que as diversas presenças da bandeira estadunidense no Dia da Independência do Brasil neste ano evidenciam não apenas uma contradição simbólica, mas também uma tentativa de ruptura constitucional. Tratou-se da negação da autoconsciência nacional; da abdicação do espaço comunicativo público interno; e da captura ideológica que converte cidadãos em agentes de sua própria subordinação.

E antes de qualquer crítica politicamente partidária, importante enfatizar que não se trata de defender a atuação do Supremo, que obviamente merece acertadas críticas no âmbito jurídico-constitucional. E não se trata também de defender restrição à liberdade de expressão. Mas sim de reconhecer que o suposto exercício da liberdade não pode ser utilizado como escudo para práticas que atentam contra a democracia. A cena de brasileiros brandindo bandeira estrangeira, no Dia da Independência, é juridicamente relevante, politicamente grave e teoricamente reveladora de um processo alarmante de alienação que acometeu os brasileiros que se encontram em ambos os lados da polarização esquizofrênica que levou à nossa crise institucional.

Em última análise, cabe reafirmar que a democracia brasileira não será tutelada por potências estrangeiras, tampouco por messianismos autoritários. Ela só se preservará pela fidelidade ao pacto constitucional de 1988 e pela aplicação firme da lei contra aqueles que, em nome de uma liberdade deformada, atentam contra a própria soberania nacional.

 

 

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