13 de setembro de 2025
Politica

Divórcio brasileiro surgiu com clareza no julgamento de Bolsonaro

Para alguns, é o triunfo da democracia! Virada de página histórica! Assim mesmo, com pontos de exclamação. Sempre achei graça em um certo triunfalismo. Ele nos faz pensar que vivemos em um mundo sem contradição. O que por vezes é perigoso. Bolsonaro, por óbvio, tem lá seus pecados. Deveria ter reconhecido a derrota, conduzido a transição, passado a faixa. Deveria ter pedido a seus apoiadores que fossem para casa, antes daquele Natal. Dito isso, nenhum país precisa abrir mão da regra do jogo para defender sua democracia. E isso pela razão singela de que a preservação das regras e ritos republicanos faz parte da essência da própria democracia. E que não passa de uma estupidez sugerir que isso possa ser um estorvo, em algum sentido.

Julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus por golpe de Estado na Primeira Turma do STF
Julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus por golpe de Estado na Primeira Turma do STF

É exatamente este o sentido do voto do ministro Fux no julgamento. Ele diz coisas simples: se um partido vai à Justiça Eleitoral contestar o resultado de algumas urnas, como fez o PL, após as eleições, exerce seu direito. E triste do País que converte direitos em crimes, numa estranha alquimia. E o que faz um ex-presidente, sem foro privilegiado, julgado pelo Supremo, e ainda mais em uma de suas Turmas? Leio em alguns editoriais sobre “excessos” no STF, mas que tudo era necessário para condenar Bolsonaro. Será mesmo? Em algum momento, no embalo dos afetos políticos, aceitamos a tese de que os instrumentos de nossa democracia eram lentos e ingênuos demais para dar conta da defesa da própria democracia. E que por isso precisávamos de um pequeno leviatã solto por aí, falando grosso, censurando de ofício e ajustando as regras à base de pontos de exclamação. Tudo para nos devolver uma democracia liberal novinha em folha, sabe-se lá quando.

De minha parte, vejo nisso não muito mais do que uma reedição de nossa velha tradição de um autoritarismo instrumental. A tentação do “jeito”, do “foro eterno”, das limitações à ampla defesa, da moça do batom dando um golpe de Estado, da censura prévia reiterada, da imunidade parlamentar indo para o espaço e tudo mais. Muita gente enxerga nisso apenas uma mania legalista meio “anglo-saxônica”, como escutei, dias atrás, em um debate. Discordo. A fidelidade à regra é a virtude republicana que se estende pelo tempo. E qualquer um sabe disso quando tem seus próprios direitos feridos. Quando sua empresa precisa de segurança jurídica; quando uma mulher exige direitos iguais; quando um cidadão demanda liberdade de dizer o que pensa, em um tuite ou na tribuna do Congresso.

No fundo, é este o divórcio brasileiro. Ele surgiu com clareza no julgamento de Bolsonaro. Não uma divergência entre esquerda ou direita, mas sobre o sentido da regra em uma democracia republicana. O ministro Fux terminou calado e mesmo hostilizado por um voto “exageradamente apegado à lei”, como escutei de um advogado. Há certa ironia e diria que uma imensa verdade, nessa afirmação. Algo que só o tempo dirá, como de resto sempre acontece, quem tem a razão.

 

 

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