Voto de Fux alimenta tese para Bolsonaro buscar anulação e repetir roteiro da Lava Jato no futuro
O voto divergente do ministro Luiz Fux no julgamento de Jair Bolsonaro não muda o resultado imediato, mas abre à defesa do ex-presidente uma brecha estratégica para tentar anular a condenação no futuro, sobretudo diante das mudanças políticas e da nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de 2027 – em movimento semelhante ao que levou à revisão de decisões da Operação Lava Jato.
Em mais de 13 horas de voto, Fux abriu fissuras internas em nulidades processuais ao sustentar a “incompetência absoluta” do STF para julgar Bolsonaro, defendendo que o caso deveria tramitar na primeira instância e que todos os atos do processo seriam nulos. O ministro também apontou cerceamento de defesa, ao destacar o “tsunami de dados” que, segundo ele, inviabilizou a análise do material pelos advogados. Na prática, Fux acolheu as teses já apresentadas pela defesa do ex-presidente.
Juristas ouvidos pelo Estadão avaliam que os argumentos de Fux têm potencial de abrir caminho para a anulação do processo e a revisão da condenação, já que se apoiam em pontos preliminares que não discutem o mérito dos crimes pelos quais Bolsonaro foi condenado. O efeito, no entanto, depende do cenário político e da nova composição do Supremo a partir de 2027, quando haverá mudanças na Corte depois das eleições presidenciais de 2026.

É nesse tabuleiro que entra Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e principal aposta da direita para 2026, explica o professor de ciência política do Insper Leandro Cosentino. Apadrinhado por Bolsonaro, Tarcísio já declarou não confiar na Justiça e chegou a prometer indulto ao ex-presidente caso chegue ao Planalto. No ato de 7 de Setembro, atacou o que chamou de “tirania de Moraes”, em referência ao ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal que levou à condenação do ex-presidente. Outros governadores aliados de Bolsonaro também saíram em defesa do ex-presidente, prometendo algum tipo de indulto ou anistia.
O presidente que for eleito em 2026 poderá indicar três ministros para o STF ao longo de seu mandato, entre 2027 e 2030, com as aposentadorias por idade de Luiz Fux (2028), Cármen Lúcia (2029) e Gilmar Mendes (2030). “Isso pode abrir caminho para mudança”, afirma Cosentino.
Em paralelo, partidos já articulam para 2026 a formação de uma maioria contrária ao Supremo no Senado, o que também pode abrir espaço até para pautas de impeachment contra ministros da Corte. Isso também poderia, em último caso, alterar a composição do STF, o que poderia gerar outros entendimentos sobre teses já analisadas.
Esse ambiente político reforça a aposta jurídica da defesa. Para o criminalista e coordenador do curso de Direito da ESPM-SP, Marcelo Crespo, a revisão criminal é um dos instrumentos possíveis. O mecanismo permite reabrir um processo já transitado em julgado quando há fundamentos para anular ou modificar a condenação.
Ele explica que esses requisitos específicos não estão configurados hoje na ação que condenou Bolsonaro. A avaliação, porém, é de que o quadro pode mudar caso a composição do Supremo se altere nos próximos anos. “Com uma nova composição, se tivermos ministros dispostos a agir como Fux, poderiam, em tese, julgar procedente uma revisão criminal favorável a Bolsonaro”, afirma.
O criminalista Renato Vieira, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), aponta outra via: um habeas corpus que questione a suspeição de Alexandre de Moraes poderia abrir espaço para revisão, desde que em um contexto político diferente. “Aí pode haver algum caminho”, afirma.
O habeas corpus é um instrumento jurídico usado para proteger a liberdade contra ilegalidades ou abusos de autoridade e pode anular decisões quando se comprova, por exemplo, a parcialidade de um juiz ou tribunal.
Para o criminalista e professor da PUC-RS Aury Lopes Jr., tanto a revisão criminal quanto um habeas corpus podem ganhar força, sobretudo diante da mudança constante de entendimentos no STF. “Há uma volatilidade histórica do STF”, afirma.
O roteiro não é inédito. Na Lava Jato, decisões que pareciam definitivas foram revertidas anos depois, quando o Supremo mudou de entendimento sobre pontos preliminares, como a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba e a imparcialidade do então juiz Sergio Moro no julgamento do então ex-presidente Lula.
Na ocasião, o então advogado de Lula e hoje ministro do STF, Cristiano Zanin, apostou justamente em teses de competência para anular o caso. A estratégia foi acolhida em 2021 por decisão do ministro Edson Fachin e, posteriormente, confirmada pelo plenário do Supremo – em meio à revelação das mensagens vazadas entre Moro e procuradores da Lava Jato.
Essas mudanças de posicionamento abriram espaço para anular condenações e libertar réus em processos já transitados em julgado.
Agora, como mostrou o Estadão, a estratégia das defesas na ação penal do golpe segue a mesma lógica: apostar em preliminares para que, caso o clima político mude no futuro, a condenação de Jair Bolsonaro também possa ser revertida.
Para a professora da ESPM-SP Ana Laura Barbosa, mesmo sem um voto divergente já seria possível ingressar com a revisão criminal, mas o fato de haver o voto vencido de Fux confere maior peso ao movimento. “Isso dá maior força política ao pedido”, completa.