A sombra organizada: por que as organizações criminosas exigem uma resposta estatal modernizada
As organizações criminosas do século XXI evoluíram para uma ameaça global multifacetada. Longe de serem grupos marginais, operam hoje como verdadeiras “empresas do crime”, com estruturas sofisticadas, movimentando volumes financeiros que rivalizam com economias nacionais e exibindo uma notável capacidade de adaptação.
Diante de sua complexidade e do imenso impacto socioeconômico, é imperativo compreender tanto as características que as aproximam das máfias históricas quanto a urgência de modernizar a legislação e os instrumentos de repressão e inteligência do Estado para combater suas novas e audaciosas modalidades. A dificuldade em delimitar juridicamente o que constitui uma organização criminosa tem sido um desafio persistente.
A evolução legislativa, impulsionada por acordos como a Convenção de Palermo e consolidada no Brasil pela Lei 12.850/2013, buscou estabelecer critérios claros: uma associação duradoura de múltiplos indivíduos, com divisão de tarefas e o propósito de obter vantagens ilícitas. Contudo, o dinamismo dessas facções exige uma atualização constante do arcabouço legal para enfrentar suas táticas inovadoras. Um dos traços mais marcantes é sua estrutura quase empresarial. Elas funcionam com uma lógica de maximização de lucros e minimização de riscos, mimetizando a eficiência de um negócio legítimo.
A hierarquia, a divisão de funções e o uso intensivo de tecnologia avançada – de comunicações criptografadas a inteligência artificial para otimizar operações – evidenciam uma sofisticação que impõe ao Estado o desafio de equiparar suas ferramentas investigativas. Talvez o elemento mais alarmante, que aproxima as facções brasileiras contemporâneas das máfias, seja sua profunda conexão com o Poder Público.
A corrupção de agentes estatais não é um evento isolado, mas uma prática sistemática para garantir impunidade, obter informações privilegiadas e manipular decisões. Essa infiltração cria um “poder paralelo” que subverte a ordem democrática, enquanto a violência é empregada estrategicamente para manter o controle territorial, eliminar a concorrência e impor uma “lei do silêncio” — uma omertà moderna, baseada na reputação de crueldade. Os objetivos primordiais são o lucro e o poder.
Para isso, exploram vastos mercados ilícitos – do tráfico de drogas e armas à exploração sexual e ao cibercrime – e lavam seus proventos em negócios aparentemente legítimos, contaminando a economia formal. Além disso, essas redes demonstram uma impressionante capacidade de adaptação e transnacionalidade, aproveitando-se da falta de integração entre os órgãos de investigação e inteligência e da fragilidade da cooperação internacional para expandir suas operações e evadir a justiça.
É crucial desmistificar a imagem estereotipada das máfias italianas. As características operacionais subjacentes – a infiltração no Estado, a intimidação sistemática e a lógica empresarial do crime – são inegavelmente presentes e mais relevantes do que nunca para entender a ameaça atual.
O combate eficaz exige, portanto, ir além da repressão pontual e mirar na desarticulação da rede como um todo, criminalizando a própria estrutura para permitir uma atuação preventiva do Estado e oferecendo instrumentos de desmobilização patrimonial que sejam independentes de condenação criminal. Em suma, as organizações criminosas do presente são herdeiras perigosas do legado mafioso. Superá-las exigirá uma estratégia múltipla que inclua a modernização contínua da legislação, o fortalecimento tecnológico dos instrumentos de inteligência e repressão e uma robusta cooperação internacional. Trata-se de uma batalha crucial para preservar os pilares do Estado Democrático de Direito.