16 de setembro de 2025
Politica

PF achou no e-mail de empresária deputados suspeitos de pegar propina de até R$ 13 por cesta básica

A Polícia Federal encontrou no e-mail da empresária Adriana Rodrigues Santos uma lista de deputados e ex-deputados estaduais do Tocantins que teriam recebido propinas de distribuidoras de alimentos às quais direcionaram R$ 38 milhões em emendas para a suposta aquisição de cestas básicas no governo Wanderlei Barbosa (Republicanos). Ao menos 20 deputados e ex-deputados são citados nos autos da Operação Fames-19, fase 2, que culminou no afastamento por seis meses do governador.

Dez deputados, no exercício do mandato, inclusive o presidente da Assembleia Legislativa do Tocantins, Amélio Cayres (Republicanos), foram alvo de buscas no início do mês, por ordem do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça.

A Assembleia Legislativa informou que ‘presta colaboração total e irrestrita ao STJ’. Os deputados negam ligação com ilícitos e corrupção. Em nota, a deputada Cláudia Lelis, citada na investigação e próxima da primeira dama do Tocantins, Karynne Sotero – suposta operadora de propinas do marido -, afirma que ‘não praticou qualquer irregularidade na destinação de suas emendas parlamentares’. Karynne também nega ter participado do esquema das cestas básicas instalado no Palácio Araguaia, sede do Executivo.

O Estadão pediu manifestação, via Assessoria de Comunicação da Assembleia, dos outros deputados que foram alvo de buscas. A reportagem encaminhou à empresária Adriana Santos solicitação para sua versão. O espaço está aberto.

Segundo a PF, ‘diversas planilhas de controle de pagamentos’ e ‘distribuição de valores’ recuperadas no e-mail de Adriana indicam que os parlamentares eram contemplados com comissões de 10% a 13% sobre o preço de cada cesta negociada com o governo, via a Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social do Tocantins (Setas).

A pasta centralizava os contratos com empresas indicadas pelos parlamentares para direcionamento de suas emendas. Segundo a investigação, boa parte das cestas nem existia, por isso chamadas de ‘cestas de papel’.

Em um único contrato com a Médio Norte Atacadista Ltda e a Mercado das Carnes Eireli – beneficiárias de contratações firmadas com dispensa de licitação – foi ajustada a compra de 195.756 cestas básicas ao valor total de R$ 14,4 milhões.

Trecho de decisão que afastou governador do Tocantins na esteira da Operação Fames-19
Trecho de decisão que afastou governador do Tocantins na esteira da Operação Fames-19

O achado dos federais no endereço eletrônico de Adriana municiou a Operação Fames-19, fase 2, deflagrada no dia 3, por ordem do ministro Mauro Campbell, do STJ.

Campbell autorizou buscas nos gabinetes de dez deputados, inclusive do presidente da Casa, Amélio Cayres (Republicanos). A Assembleia conta ao todo 24 parlamentares.

“Além das sucessivas alusões ao recebimento de propina por Wanderlei Barbosa, desde o início das investigações havia por parte dos investigadores a informação de que boa parte dos recursos desviados era oriunda de emendas parlamentares de deputados estaduais”, assinala o ministro.

O relatório de Informação de Polícia Judiciária nº 1018407/2024, que identificou verbas para contratação de cada uma das empresas investigadas, aponta o ‘expressivo montante’ de R$ 38.274.952,00, somente em recursos parlamentares destinados à compra de cestas básicas.

Emendas que de acordo com a investigação acabaram nas mãos de empresários.
Emendas que de acordo com a investigação acabaram nas mãos de empresários.

A investigação chegou a contratos de fornecimento de cestas produzidas pelas empresas Delikato Comércio de Alimentos e Sabores Regionais, ambas controladas por Joseph Ribamar Madeira e sua mulher Adriana Santos.

Os repasses dos deputados, via emendas, envolviam grandes somas. O presidente da Assembleia destinou R$ 2,575 milhões, sendo R$ 450 mil para a Delikato Alimentos e R$ 2,125 milhões para a Sabores Regionais.

A deputada Cláudia Lelis produziu emendas no valor total de R$ 1,68 milhão, dos quais R$ 1,48 milhão para a M.C. Comércio de Alimentos. Ambos os parlamentares negam irregularidades com suas emendas.

“Ao se debruçar sobre as planilhas de distribuição de valores, foi observada a existência de uma proporção de pagamentos, possivelmente fixada à razão de uma comissão fixa pelo valor de cada cesta adquirida, a indicar que os parlamentares ganhavam uma quantia previamente estipulada por cada uma das cestas porventura ‘montadas’ com valores oriundos das emendas que encaminhavam”, assinala a PF.

Arquivo que, segundo a PF, é planilha de controle de propinas.
Arquivo que, segundo a PF, é planilha de controle de propinas.

Segundo a PF, ‘por vezes, tal comissão era fixada na casa de dez a treze reais por cesta, obtendo-se o valor devido a cada parlamentar, a partir da multiplicação desse fator pelo número de cestas que poderiam ser adquiridas com o recurso extraído das emendas parlamentares’.

O relatório, encartado nos autos da fase 2 da Operação Fames-19, subscrito pelo ministro Mauro Campbell, chama a atenção para um nome: ‘Dr. Antônio’, extraído de diálogos dos empresários do setor de alimentos.

Os investigadores suspeitam que ‘Dr. Antônio’ é Antônio Ianowich Filho, advogado de Joseph Madeira, ‘a indicar sua possível participação na montagem ou articulação do esquema delitivo’.

“Além da menção a nada menos do que 10 deputados estaduais, o que já denotaria a impressionante disseminação e abrangência do esquema delitivo, considerando que a Assembleia Legislativa do Tocantins é composta por apenas 24 parlamentares, também consta da planilha a referência ao ‘Dr. Antônio’”, pontua o ministro do STJ.

Ouvido pelo Estadão, Ianowich esclareceu que ‘recebeu valores na condição exclusiva de advogado’. “Era advogado deles (Joseph e Adriana), recebi meus valores todos em conta. Com contrato e nota fiscal.”

Ianowich é taxativo. “No diálogo (ao qual a PF teve acesso), a Adriana reclama justamente que eu estava instruindo o deputado Olintho a oficiar cobrando a entrega das cestas como seu advogado.”

Deputados estaduais e empresas são investigados.
Deputados estaduais e empresas são investigados.

‘Eu tenho um combinado com eles’

Segundo o ministro, baseado na investigação policial, ‘Dr. Antônio’ figura como ‘destinatário de parte dos valores desviados de emendas parlamentares’.

O advogado é citado nos diálogos entre ‘os investigados Marcos Milhomens e Adriana Rodrigues’.

Ao explorar os diálogos arquivados no celular de Adriana, os investigadores passaram a suspeitar que a organização já sabia que a fase 2 da Operação Fames-19 estava na iminência de ir às ruas, o que, de fato, ocorreu no dia 3 de setembro.

‘Dr. Antônio’ seria próximo do deputado estadual Olyntho Garcia de Oliveira Neto (Republicanos), um dos parlamentares que destinou ‘expressiva quantia de emendas’ para a compra de cestas básicas pela Secretaria do Trabalho e Assistência Social do Tocantins.

Em uma mensagem, a empresária demonstra preocupação com o súbito ‘sumiço’ de ‘Dr. Antônio’.

Adriana: ‘Você sabe o que tá acontecendo com o Dr. Antônio? Sempre tá viajando. Nunca tá disponível pra conversar’

Milhomens: ‘O que o Ianowich deve ter percebido é o seguinte. A inércia, nada acontecendo, o cerco se fechando. Ele deve ter falado isso pro Olintho, falou ‘Olintho, você começa a se precaver’. É por isso que o Olintho tá mandando aquele monte de ofício lá para Setas, porque em uma possível operação, quando forem para cima do Olintho, fala ‘não, aqui oh, eu tô cobrando as cestas tem mais de mês, que eu estou cobrando pra onde elas foram’

Adriana: ‘Difícil, viu. Eu tenho um combinado com eles’

Marcos Milhomens: ‘O que ele está fazendo é se precavendo, e aí, como ele deve estar achando que está tudo parado, o governador lavou as mãos, está achando o Joseph de certa forma despreocupado com isso, ele deve tá tomando essa iniciativa. É a única explicação’

O relatório dos investigadores acentua que, recentemente, Antônio Ianowich foi preso preventivamente por ordem do ministro Cristiano Zanin Martins, relator da Operação Sisamnes no Supremo Tribunal Federal. O advogado já está em liberdade.

A Sisamnes investiga suposto esquema de venda de sentenças em pelo menos três tribunais de Justiça (Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) e que se teria estendido a gabinetes de ministros do STJ.

Empresa teria sido 'instrumentalizada para o fornecimento de cestas básicas de existência meramente formal', aponta a investigação.
Empresa teria sido ‘instrumentalizada para o fornecimento de cestas básicas de existência meramente formal’, aponta a investigação.

‘Numerário em espécie’

A PF avalia que das planilhas preliminarmente analisadas também consta a informação de que o pagamento se dava em dinheiro – ‘o que reforça a conclusão anteriormente extraída, de que o pagamento da vantagem indevida era feito com numerário em espécie’.

Segundo a PF, ‘todos os deputados estaduais citados nas planilhas destinaram recursos de emendas parlamentares para as empresas Delikato Comércio de Alimentos e Eletrônicos e Sabores Regionais Distribuição, Representação e Comércio de Alimentos Ltda, sob a tutela ‘informal’ de Adriana Rodrigues Santos e Joseph Ribamar Madeira, ‘a despeito de estarem em nome de laranjas’.

Ao autorizar a fase 2 da Fames-19, o ministro Campbell anotou. “A reforçar a convicção acerca do envolvimento dos parlamentares listados no esquema de desvio de recursos públicos por meio da aquisição fraudulenta de cestas básicas pela Secretaria do Trabalho e Assistência Social (Setas), observa a autoridade policial que, na Informação de Polícia Judiciária nº 4680257/2024, foi identificado o registro manuscrito, para fins de controle, do nome de determinados deputados estaduais (Cleiton Cardoso de Almeida e Ricardo Ayres).”

Os nomes desses deputados foram lançados no corpo de notas fiscais emitidas pela Médio Norte Varejista Ltda, ligada a um grupo de investigados, entre eles Paulo César Lustosa Limeira – este apontado como o principal operador de propinas, ao lado de sua ex Karynne Sotero Campos, atual mulher do chefe do Executivo, Wanderlei Barbosa.

A Médio Norte teria sido ‘instrumentalizada para o fornecimento de cestas básicas de existência meramente formal’, pontua a PF, indicando que grande parte das cestas seriam de ‘papel’.

Quando as investigações que resultaram no Inquérito 1.663/DF (Fames-19) ainda eram conduzidas pela Polícia Civil do Tocantins, foram cumpridas medidas cautelares ostensivas, que resultaram na denominada ‘Operação Phoenix’.

Com o avanço das investigações foram executadas diligências de busca e apreensão, ‘ocasião em que foram identificados elementos indicativos do possível envolvimento de deputados estaduais’.

As primeiras citações aos parlamentares provocaram o deslocamento dos autos para o Tribunal de Justiça do Tocantins. Ao declinar da competência para o TJ, o juiz da 3ª Vara Criminal de Palmas observou. “(…) apesar das apurações terem começado sem quaisquer indícios acerca da participação de pessoa que atualmente possuísse foro por prerrogativa de função, é fato que, após as buscas domiciliares, foram descobertas algumas provas – anotações – que apontariam que, além dos crimes praticados pelos investigados pode ter ocorrido pagamentos de vantagens indevidas para parlamentares estaduais.”

‘Eles qué 50 mil em dinheiro e 100 mil em cesta’

“Realmente, os documentos juntados trazem tabelas de controle de entrega de cestas básicas com o nome de ‘Cleyton Cardoso, Léo Barbosa, Eduardo Siqueira, Ricardo Ayres, Ivory’, o que pode ter referência a deputados em exercício de mandato”, seguiu o juiz.

Entre os indícios colhidos pelos investigadores estão anotações manuscritas como: ‘emenda 150 mil’. ‘eles qué 50 mil em dinheiro e 100 mil em cesta’; ‘qual proposta posso fazer? Custo cesta hj 53,00 reais, pensei em 50 mil e 800 cestas’.

Em sua decisão, o ministro Campbell observou que, com a remessa dos autos para a PF, ‘foi constatado que, da mesma forma que ocorreu com as empresas Sabores Regionais Distribuição, Representação e Comércio de Alimentos Ltda e Delikato Comércio de Alimentos e Eletrônicos Ltda, os referidos deputados estaduais, de fato, destinaram emendas parlamentares que foram usadas para contratar a empresa Médio Norte Atacadista Ltda’.

‘Pessoa humilde’

Aqui, nesse ponto da investigação, é citada a ‘efetiva participação’ da Médio Norte e também da empresa Mercado das Carnes Eireli, ‘beneficiárias de contratos firmados com dispensa de licitação promovida, dentre outros expedientes, no processo administrativo nº 2020/41000/000106, instaurado para a aquisição de 195.756 cestas básicas, ao valor total de R$ 14.417.429,40’. O Estadão busca contato com representantes das duas empresas.

A PF localizou diversos documentos que teriam sido criados no e-mail da Médio Norte Atacadista Ltda, além de um suposto contrato de mútuo da empresa Proprietá Empreendimentos Ltda e a empresa Mercado das Carnes Eireli.

A investigação cita um personagem definido como ‘pessoa humilde que ostentava rotina e patrimônio incompatíveis com os de um empresário de sucesso do ramo de fornecimento de alimentos e que figurou como sócio administrador da Médio Norte Atacadista’.

COM A PALAVRA, A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO TOCANTINS

No dia 3, quando a Polícia Federal deflagrou a fase 2 da Operação Fames-19 e fez buscas nos gabinetes de dez deputados, inclusive do presidente da Casa, Amélio Cayres, a Assembleia Legislativa informou, em nota oficial de sua Assessoria de Comunicação, que ‘prestou colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça’

“A Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins (Aleto) informa que prestou nesta quarta-feira, 3, colaboração total e irrestrita ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e à Polícia Federal (PF), no cumprimento integral das determinações contidas em dez mandados de busca e apreensão, com a devida disponibilização de todos os equipamentos, documentos e informações solicitados.Informa ainda que a Procuradoria Geral da Casa não teve acesso aos autos, portanto, desconhece-se o que motivou a expedição dos referidos mandados. Além disso, a Aleto não foi intimada de nenhuma decisão judicial relacionada ao caso.Os mandados de busca e apreensão aos quais a Assembleia Legislativa do Tocantins teve acesso foram direcionados aos gabinetes parlamentares dos deputados Amélio Cayres, Claudia Lelis, Cleiton Cardoso, Ivory de Lira, Jorge Frederico, Léo Barbosa, Nilton Franco, Olyntho Neto, Valdemar Júnior e Vilmar de Oliveira.”

COM A PALAVRA, A DEPUTADA CLÁUDIA LELIS

Em nota à imprensa, a assessoria de imprensa da deputada estadual Cláudia Lelis informou que ela ‘não praticou qualquer irregularidade na destinação de suas emendas parlamentares’

“A deputada estadual Cláudia Lelis (PV) reafirma seu respeito às instituições e às decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e esclarece que não praticou qualquer irregularidade na destinação de suas emendas parlamentares, ressaltando que todos os recursos por ela indicados sempre seguiram rigorosamente os princípios de transparência, legalidade e responsabilidade com o interesse público.A parlamentar afirma que acompanha com serenidade e confiança o andamento das investigações, convicta de que a verdade será plenamente esclarecida.Cláudia reitera sua confiança na Justiça e defende que a segurança jurídica é essencial para o fortalecimento das instituições e para o desenvolvimento do Tocantins.”

COM A PALAVRA, O GOVERNADOR WANDERLEI BARBOSA

Quando a Operação Fames-19, fase 2, foi deflagrada por ordem do ministro Mauro Campbell, o governador Wanderlei Barbosa declarou, em nota, que considerou a medida ‘precipitada’.

“Recebo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com respeito às instituições, mas registro que se trata de medida precipitada, adotada quando as apurações da Operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte. É importante ressaltar que o pagamento das cestas básicas, objeto da investigação, ocorreu entre 2020 e 2021, ainda na gestão anterior, quando eu exercia o cargo de vice-governador e não era ordenador de despesa.

Reforço que, por minha determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.

Além dessa providência já em curso, acionarei os meios jurídicos necessários para reassumir o cargo de Governador do Tocantins, comprovar a legalidade dos meus atos e enfrentar essa injustiça, assegurando a estabilidade do Estado e a continuidade dos serviços à população.”

COM A PALAVRA, O ADVOGADO ANTÔNIO IANOWICH FILHO

O advogado Antônio Ianowich Filho esclareceu que ‘recebeu valores na condição exclusiva de advogado’. “Era advogado deles (Joseph Madeira e Adriana Rodrigues Santos), recebi meus valores todos em conta. Com contrato e nota fiscal.”

“No diálogo (recuperado pela PF), a Adriana reclama justamente que eu estava instruindo o deputado Olintho a oficiar cobrando a entrega das cestas como seu advogado.”

COM A PALAVRA, ADRIANA RODRIGUES SANTOS E JOSEPH MADEIRA

O Estadão busca contato com a defesa dos empresários Adriana Rodrigues Santos e Joseph Madeira. Por e-mail, a reportagem pediu manifestação de Adriana. O espaço segue aberto.

 

 

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