Fazenda mira fiscais que enriquecem e impõe ‘acompanhamento sistemático’ de evolução patrimonial
O secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Samuel Kinoshita, escalou a Corregedoria da Fiscalização Tributária para promover um “acompanhamento sistemático” da evolução patrimonial de todos os auditores fiscais de Rendas. A missão será executada com emprego do Sistema de Análise e Evolução Patrimonial (SAEP). São cerca de 2.500 fiscais em atividade. Os aposentados com declarações de ganhos e bens no período de verificação também serão alvos.
A medida foi tomada em meio ao escândalo que abala a Fazenda após a deflagração da Operação Ícaro, em agosto, que levou à prisão o auditor Artur Gomes da Silva Neto, apontado como o “cabeça” de um engenhoso esquema de liberação antecipada de créditos do ICMS-ST que favoreceu grandes grupos econômicos.
Artur e colegas dele teriam recebido R$ 1 bilhão em propinas – apenas a Fast Shop, gigante do comércio de eletrodomésticos e eletrônicos, confessou em acordo com o Ministério Público que pagou R$ 400 milhões para furar uma longa fila de espera e receber recursos em condições privilegiadas.
Nos bastidores da Fazenda, comenta-se que a rede de corrupção instalada no Palácio Clóvis Ribeiro – sede da pasta – teria amealhado R$ 11 bilhões em propinas, um dado ainda em apuração.
Para fechar o cerco a fiscais que teriam enriquecido pela via de ilícitos, Kinoshita decidiu colocar a Corregedoria em ação. Estão sujeitos ao pente fino nunca realizado na Fazenda “todos os auditores fiscais da Receita Estadual”.
O “acompanhamento sistemático” da evolução patrimonial abarca um modelo de seleção com “procedimento randômico e impessoal por meio do qual serão escolhidos os auditores fiscais”.
A apuração patrimonial será conduzida pela Corregedoria por meio de diligências que extrapolam as informações do Sistema de Acompanhamento da Evolução Patrimonial. Os corregedores miram a “compatibilidade da evolução patrimonial” de cada fiscal.
O raio X poderá incluir informações fornecidas pelos próprios auditores. O corregedor definirá o ano calendário que será objeto de análise e o tamanho da amostra de auditores que serão selecionados para submissão ao acompanhamento sistemático da evolução patrimonial.
O ano calendário poderá ser qualquer um dos últimos cinco anos, “excluindo-se o ano em curso”.
“Qualquer auditor fiscal poderá ser selecionado pelo sistema, independente da função, lotação, ou qualquer outro motivo. Poderão ser realizadas múltiplas seleções para um mesmo ano calendário, em função da disponibilidade de servidores e da demanda de trabalho do setor correcional, tendo como limite mínimo 250 auditores fiscais por ano calendário”, detalha a Resolução 30.

Caso um mesmo auditor seja selecionado novamente para o mesmo ano calendário, ele não será considerado. O corregedor-geral poderá, de forma fundamentada, estender a análise para outros anos calendário do auditor fiscal selecionado cuja análise aponte incompatibilidade, observado o prazo prescricional.
Definido o tamanho da amostra, serão selecionados, por algoritmo randômico e impessoal do Sistema de Acompanhamento da Evolução Patrimonial, os auditores que serão submetidos ao escrutínio.
O algoritmo utilizado para a seleção será disponibilizado na intranet da Secretaria da Fazenda e os parâmetros de entrada serão publicados ou documentados em expediente próprio, permitindo a auditoria e comprovação da imparcialidade e aleatoriedade do processo.
Os auditores selecionados pelo algoritmo e que não inseriram as informações no SAEP também deverão ser submetidos ao acompanhamento sistemático da evolução patrimonial.
O auditor poderá ser intimado a apresentar a sua declaração de bens em papel ou em formato definido pela Corregedoria da Fiscalização Tributária. Nos casos de afastamentos, as informações deverão ser inseridas no Sistema de Acompanhamento da Evolução Patrimonial no prazo de 60 dias contados da data do retorno do auditor ao exercício do cargo.
O SAEP realizará automaticamente os cálculos para verificar a compatibilidade das declarações selecionadas com a evolução patrimonial declarada.
O resultado da análise será categorizado da seguinte forma:
- Declaração compatível: quando os valores declarados estiverem em conformidade com a evolução patrimonial;
- Declaração incompatível: quando houver indícios de incompatibilidade na evolução patrimonial.
Em caso de declaração incompatível, será disponibilizado um demonstrativo dos cálculos efetuados pelo SAEP e o auditor será notificado para se manifestar no prazo designado no ato.
Caso o auditor esteja afastado, o termo inicial deste prazo será contado a partir de seu retorno.
O auditor que retificar a sua declaração poderá ser novamente notificado no prazo previsto se o Sistema de Acompanhamento efetuar novo cálculo se for necessário.
Os esclarecimentos e/ou impugnação apresentados serão submetidos à análise de um corregedor fiscal designado que, de forma fundamentada, poderá acatar os esclarecimentos, solicitar correção sistêmica, solicitar mais informações ou propor a abertura da Apuração Patrimonial.
Em caso de declaração incompatível de um auditor em exercício na Corregedoria, a sua manifestação será analisada pelo seu superior hierárquico, que poderá delegar a atribuição a um auditor fiscal da carreira.
A declaração compatível não impede a instauração de procedimento disciplinar “em razão de fatos ou notícias supervenientes para o ano calendário a que foi submetido o auditor fiscal”
O Sistema de Acompanhamento deverá “identificar e listar todos os auditores fiscais sujeitos à obrigação prevista para o ano-calendário correspondente”. Além disso, “atribuir a cada auditor da lista um código de identificação único, em processo sigiloso, de forma que cada um terá conhecimento apenas do seu próprio código”.
Uma lista, em ordem aleatória, será elaborada com o código de identificação único dos auditores fiscais que serão submetidos ao processo de seleção.
O corregedor-geral definirá previamente o tamanho da amostra a ser selecionada, em termos percentuais ou absolutos, sobre o universo de obrigados, observado o valor mínimo discriminado pela Resolução 30.
O cálculo da compatibilidade patrimonial dos auditores observará “fórmulas e critérios”. Os rendimentos líquidos serão apurados mediante a seguinte fórmula: rendimentos líquidos = rendimentos – pagamentos – doações. “Entende-se por ‘rendimentos’ aqueles informados pelo auditor no Sistema SAEP.”
Caso o auditor escolha não enviar os rendimentos no SAEP, “serão considerados apenas os rendimentos constantes da folha de pagamento do referido servidor”.
“Todos os valores deverão contemplar, cumulativamente, os valores discriminados na entrega pelo auditor no sistema SAEP, incluindo os de seu cônjuge e de seus dependentes, quando houver dependência econômica ou bens comuns com o servidor”, estabelece a Resolução de Kinoshita.