18 de setembro de 2025
Politica

‘Estou muito convicto de que CPI do INSS chegará a deputados e senadores’, diz relator

BRASÍLIA – O relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), deputado Alfredo Gaspar (União-AL), disse, em entrevista ao Estadão, estar convicto de que a investigação parlamentar apontará relações entre parlamentares e investigados no esquema de descontos ilegais a aposentados.

Gaspar classificou como “garantismo exacerbado” a decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou facultativo o comparecimento de testemunhas-chave da investigação.

Deputado Alfredo Gaspar tem experiência investigativa e foi do Ministério Público.
Deputado Alfredo Gaspar tem experiência investigativa e foi do Ministério Público.

O relator disse que o colegiado pretende reagir com proposta de legislação que reduza o poder da Suprema Corte sobre CPIs. “A CPI está muito adiantada na discussão de mudar nos alguns regramentos legais”, afirmou.

Em paralelo à investigação dos descontos associativos ilegais, a CPI apura o funcionamento de uma prática semelhante com empréstimos consignados. O relator afirmou que a convocação de representantes de grandes bancos não está descartada.

Alfredo Gaspar está em seu primeiro mandato de deputado federal. Em pouco tempo em Brasília, tem nas mãos a maior investigação de sua carreira, considerando os 24 anos como promotor de Justiça em Alagoas.

No período, coordenou o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de Alagoas e chegou ao posto de Procurador-Geral de Justiça.

Em 2020, deixou o comando do MP estadual para se candidatar a prefeito de Maceió (AL), disputa na qual chegou ao segundo turno. Depois, virou secretário estadual de segurança no governo de Renan Filho (MDB) até romper com os Calheiros e trocar o MDB pelo União Brasil.

Em 2022, foi eleito o segundo deputado federal mais votado de Alagoas.

Ele concedeu a entrevista logo após Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, cancelar o depoimento que prestaria à CPI. O ministro André Mendonça havia tornado a participação do empresário facultativa.

Antunes chegou a confirmar a presença, mas mudou de ideia, frustrando o que seria a mais aguardada reunião da CPI até agora. Deputados acabaram dando uma “viagem de balde” a Brasília, já que não há sessões no plenário na segunda.

Veja os principais trechos da entrevista:

O senhor já formou uma convicção sobre qual governo foi mais e menos responsável pelas fraudes no INSS?

O que posso dizer neste momento é que deixaram a maior autarquia do Brasil e da América do Sul completamente desguarnecida de mecanismos de transparência e prevenção. E isso possibilitou que o crime organizado se aproveitasse dessas falhas estruturantes para corromper funcionários e ao mesmo tempo desviar recursos dos aposentados e pensionistas num montante de bilhões. Nós estamos apurando exatamente quando é esse modus operandi começou a agir.

E é um objetivo do senhor estabelecer se foi neste ou no outro?

É um objetivo nós termos essa radiografia completa. Mas estamos só começando os trabalhos.

Nas longas reuniões da CPI, uma parte dos membros diz que tudo foi culpa do governo passado. A outra, que tudo é culpa deste governo. Isso compromete a credibilidade dos trabalhos?

Não acho. Faz parte das comissões de inquérito das casas legislativas elas terem integrantes que pertençam a blocos políticos distintos, mas contra fatos nenhuma narrativa será maior. Estamos trabalhando em cima de dados.

O acordo de cooperação técnica foi autorizado pela primeira vez em 1994. O consignado, em 2003. Em algum momento esses descontos associativos aumentaram abruptamente. Isso sem sombra de dúvida aconteceu no atual governo. Mas não quer dizer que outros governos estejam isentos de também terem incorrido, seus seus funcionários, em cooptação, corrupção. Não dá para dizer hoje precisamente o marco inicial dos crimes.

O ministro do STF André Mendonça decidiu desobrigar a presença de todos os investigados da CPI para dar depoimento. O quanto isso pode prejudicar os trabalhos da comissão?

Esse garantismo exacerbado não ajuda. Isso não ajuda em nada os trabalhos. Mas nós vamos cada vez mais buscar avançar nos trabalhos com aquilo que está à nossa disposição. Por isso a CPI está muito adiantada na discussão de mudar nos alguns regramentos legais. Nós precisamos ter liberdade para investigar e esse é um dos papéis da CPI.

O presidente da CPI, Carlos Viana, falou sobre isso. Os senhores já conversaram sobre?

Nós estamos discutindo isso sob a coordenação do presidente Carlos Viana. Eu acho que uma modificação legislativa constitucional vai ser muito importante para dar mais eficiência às CPIs.

Por onde passariam essas modificações?

Principalmente no direito que o Legislativo tem de fiscalização. O Legislativo é a casa do povo e tem o direito de fiscalizar. Nós temos que fazer um estudo das últimas decisões do Supremo Tribunal Federal para fortalecer o papel do Legislativo.

Por exemplo, para que o convocado seja obrigado a vir de qualquer forma?

Que o depoente pelo menos esteja presente, mesmo que seja mantido o direito de permanecer calado naquilo que o incrimine e não abuse do direito de calar.

Não corre o risco dessa situação virar uma nova queda de braço entre Legislativo e Judiciário e esse ser o marco da CPI?

Eu considero o ministro André Mendonça bastante equilibrado. E acredito que ele saberá sopesar essas situações. Mas não tenha dúvida nenhuma que essa proteção exacerbada aos direitos de investigado atrapalha bastante o andamento dos trabalhos.

O que existe nos planos da CPI com relação ao sindicalista Frei Chico, irmão do presidente Lula e dirigente de um sindicato investigado?

Há muita notícia relacionada à participação desse senhor, irmão do presidente da República. Realmente, ele faz parte de um sindicato que recebeu também uma fortuna em desconto associativo, mas nós vamos avançar no devido tempo a outros atores que não os presidentes, principalmente com as quebras de sigilo.

Tem algo que a CPI possa fazer com relação ao ressarcimento e devolução de recursos roubados?

Acho fundamental o bloqueio de bens e identificação de evasão de divisas. A CPI pode propor uma forma de ressarcimento com esse dinheiro que venha a ser recuperado e possa compensá-los também pelas perdas ao longo desses anos.

Com relação ao empréstimo consignado, o senhor pretende trazer os representantes de grandes bancos para deporem à CPI?

Todos aqueles que tiverem relacionamento com o INSS, com os acordos de cooperação técnica (ACTs), com indícios de irregularidade, não importa de onde for, têm que prestar esse esclarecimento. O consignado tem entrado no rol da investigação, mas não de forma tão contundente neste momento quanto os descontos associativos.

O que tem sido mais difícil na relatoria da CPI?

Para mim, como sou um deputado de primeiro mandato e de poucos contatos, eu sou pouco inacessível a esses contatos políticos. Não tenho recebido algum tipo de pressão ou obstaculação ao andamento da investigação, e também não aceitaria. Passei a minha vida toda produzindo investigação.

Logo na quarta reunião da CPI, foi pedida a prisão de 21 pessoas. Foi a melhor decisão?

Pela minha experiência como promotor de Justiça, vi imediatamente os pressupostos e fundamentos para a prisão preventiva. O requerimento foi passado para a advocacia do Senado, devidamente individualizando as condutas e mostrando os requisitos da prisão preventiva e foi dada entrada no Supremo Tribunal Federal. Logo depois, a Polícia Federal, dias depois desse pedido da CPI, também deu entrada no pedido de prisão de alguns personagens, a exemplo do Camisotti e do Careca.

A CPI poderá pedir a prisão de outras pessoas?

Estamos iniciando uma investigação. Tudo aquilo que for necessário para que essa investigação seja frutífera, havendo algum risco à própria instrução da CPI, há um risco de fuga, um risco da manutenção dos crimes que foram e podem estar sendo praticados. Eu acho que a CPI tem toda a obrigação de tomar posições mais duras.

Depois do depoimento do ex-ministro Carlos Lupi, o presidente Viana cogitou a possibilidade de novo depoimento ou acareação. Os senhores conversaram sobre isso?

O depoimento do Carlos Lupi e do (ex-ministro do governo Bolsonaro José Carlos) Oliveira foram depoimentos muito evasivos. E nos pontos nos primordiais e nos pontos principais, eles saíram pela tangente. E nós vamos precisar em algum momento ouvi-los de novo. Agora, nesse instante, estamos arrecadando dados, documentos, outros depoimentos. No momento correto, acredito que serão chamados de novo.

No fim, o senhor chegou a pensar, cogitar em pedir prisão dele, já que alguns membros levantaram a questão de que houve divergência e falso testemunho?

Nós estamos numa linha muito tênue entre testemunha e investigado em ambos. Nas respostas que eles podem ter podem ter omitido informações eles podem ter feito isso baseado no direito de não se incriminarem. Isso aí a gente vai ver e vai fazer um comparativo. Não sei se eles voltarão aqui como testemunhas ou como investigados.

Estamos falando de um caso muito recente, com desdobramento em tempo real e pessoas que ainda estão soltas e que podem estar ocupando cargos no poder público. O senhor nota resistência com a investigação da CPI?

Já deu para ver que nessa organização criminosa localizada na Previdência e no INSS muitas vezes houve uma resistência institucional à adoção de providência. Ofícios não foram respondidos, sugestões não foram atendidas e ficou-se provado que muitos funcionários da estrutura participaram da organização criminosa a ponto da decisão judicial afastar desde o presidente do INSS a diretores. Já está devidamente provado que a estrutura do Estado foi capturada. Quem pode hoje estar preocupado são aqueles que estão no nível superior de comando. Essa é a nossa grande luta: saber quem está acima desse rol já descortinado e também buscar as outras organizações criminosas que atuam em vários outros ambientes associativos e de sindicato.

Faltam remédios hoje dentro do INSS para se combater esse esquema hoje?

Eu não tenho dúvida nenhuma. O INSS é uma autarquia sem transparência e muito menos sem os filtros de integridade. A Câmara dos Deputados tomou uma decisão que acho válida, e que ainda vai para o Senado, que é o cancelamento do desconto automático em folha.

Um dos pontos sensíveis da CPI é a possível relação do Careca com congressistas, especialmente senadores. O senhor pretende judicializar o pedido para que o presidente Alcolumbre dê a lista de visitas do Careca ao Senado?

Eu acredito que esse seja o caminho mais viável. Mas essa não é uma decisão só minha. Eu acho que a CPI tem que ir até as últimas instâncias para publicizar. O Congresso Nacional é a casa do povo. A gente recebe qualquer pessoa para tratar de diversos assuntos. O que não pode acontecer é isso ficar sob sigilo.

É um interesse da CPI fomentar uma eventual delação premiada?

Temos que usar todos os instrumentos que estejam dentro do arcabouço legal. Confesso que nunca vi colaboração premiada em CPI. Se tiver algo relevante que algum investigado ou alguma testemunha queira adentrar nesses aspectos, faremos uma análise concreta.

Essa investigação, especialmente em relação ao relacionamento de investigados, não pode chegar a deputados ou senadores?

Estou muito convicto que esse pode ser um caminho que a CPI termine chegando, mas cada qual responda pelos seus atos. A CPI hoje tomou uma proporção que não vai ter como proteger quem quer que seja.

Camilo Antunes se recusou a comparecer. Maurício Camisotti já disse que não virá. Qual a ideia da CPI em ouvir os familiares deles?

Estávamos para ouvir dois operadores financeiros muito importantes de um núcleo criminoso. Eles têm muitas pessoas com vinculação a eles. Eles, principalmente o Antônio Carlos Camilo fez um acordo para vir e em cima da hora desmanchou esse acordo. Para não paralisarmos os trabalhos da CPI, buscamos pessoas que tiveram conhecimento dos fatos criminosos comandados por eles e que vão colaborar na qualidade de testemunhas. Já que eles não vão prestar depoimento, nós buscamos testemunhas que têm correlação eles e com os fatos.

Mas não corre o risco de serem meros laranjas?

Isso não isenta ninguém da obrigação de prestar depoimento e esclarecer os fatos e de, se for o caso, depois ser transformado também em investigado.

A defesa do Careca do INSS disse que ele não quis depor à CPI por causa do ‘lamentável clima político’. O que o senhor pode dizer sobre isso?

Nós lamentamos também termos um Careca do INSS metendo a mão no dinheiro do povo brasileiro. E isso nós repudiamos. Acima de tudo, nós vamos exigir que essa figura seja devidamente penalizada. Aqui na CPI, o Careca realmente não vai ter vida fácil, não. Ele não vai vir para cá para mentir, nem para dar a versão dele livre de questionamento.

 

 

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