ONG ligada a entidade alvo da CPI do INSS comprou avião de deputado e revendeu após operação da PF
BRASÍLIA – Uma das principais associações envolvidas no esquema de descontos ilegais a aposentados comprou, por meio de uma ONG parceira, uma aeronave do deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) e a revendeu para cooperativa do mesmo grupo dias depois de ser alvo de operação da Polícia Federal. O avião foi novamente transferido e, hoje, pertence a um piloto que afirma não ter relação com os antigos donos.
A CPI do INSS investiga se a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) tenha tentado se desvincular do bem para evitar eventual bloqueio judicial.

Procurado, Euclydes Pettersen disse que vendeu a aeronave anteriormente a um empresário mineiro e que esse comprador pediu para que o item fosse transferido diretamente a outra pessoa. Entretanto, é o nome do deputado que está nos registros oficiais obtidos pelo Estadão (leia mais abaixo).
A Conafer afirmou que a cooperativa é associada, mas não faz parte de seu quadro executivo. “Portanto, a Conafer não é responsável pela cooperativa, ela é entidade associada.”
Euclydes Pettersen tinha 50% do avião. A outra metade era de Matheus Lopes Miranda Gomes, um empresário de Governador Valadares (MG). Em março de 2023, ambos concluíram a venda da aeronave, um Cessna modelo 172RG, para Vinícius Ramos da Cruz, por R$ 400 mil.

O comprador é o presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT), uma ONG que desenvolve em parceria com a Conafer ações assistenciais com pescadores, pequenos agricultores e até povos indígenas. Entre 2022 e 2023, o deputado enviou R$ 2,5 milhões em emendas para o ITT.
A operação Sem Desconto, da PF em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), foi deflagrada em 23 de abril de 2025. A Conafer foi um dos alvos. A investigação aponta que a entidade arrecadou R$ 688 milhões em descontos possivelmente ilegais, entre 2019 e 2024.
Em 4 de junho, exatos 42 dias depois da ação, o presidente da ONG formalizou a venda da aeronave, por R$ 700 mil, a Silas da Costa Vaz, presidente de uma cooperativa que é um braço da Conafer. Ela leva a entidade no próprio nome: Cooperativa de Trabalho e Comercialização da Cadeia Produtiva do Mais Pescado e Produtos Conafer (Conamap).
Criada em novembro de 2023 com sede em Brasília, a Conamap tem, em sua página oficial no Instagram, 159 seguidores. As últimas publicações, feitas até abril, se resumem a uma divulgação da Conafer. À Receita Federal, a cooperativa declarou possuir um capital social de R$ 6 mil – o valor investido em dinheiro ou bens para se iniciar um negócio.
Silas Vaz não usufruiu da aeronave por muito tempo. Exatamente 50 dias após ter recebido o documento da transferência do Cessna ele formalizou uma revenda para Daniel Otávio de Oliveira Silva, um piloto de Minas Gerais.
Ao Estadão, Silva afirmou que fez a compra, para uso próprio, por meio de um corretor e que desconhece os antigos proprietários. Ele se recusou a informar o corretor e a dizer o valor pago pela aeronave.
Silas Vaz e Vinícius Cruz não foram localizados. As entidades que lideram foram procuradas, por meio dos contatos oficiais, e não deram retorno. Matheus Gomes, o antigo sócio do deputado no avião, também não foi localizado.
O deputado Euclydes Pettersen disse que poderia se manifestar por escrito. Falou que a aeronave não pertencia mais a ele porque teria sido vendida para Rômulo Gonçalves Junior.
Questionado sobre o porquê de ser o nome dele na papelada oficial da transação, ele disse que foi um pedido de Rômulo. Este, por sua vez, disse desconhecer o presidente do ITT e que um outro empresário foi quem ficou à frente das negociações após uma reforma no avião.
Estabelecida desde 2011, em Brasília, a Conafer obteve em 2019 R$ 350 mil em descontos dos beneficiados do INSS. Segundo inquérito policial, o maior crescimento dos descontos feitos pela Conafer ocorreu de 2019 para 2020, durante a pandemia de covid-19.
De um ano para o outro, ela promoveu uma elevação de 16.185% nas cobranças feitas, de R$ 350 mil para R$ 57 milhões. No ano passado, o valor alcançou os R$ 277,1 milhões.
Em uma auditoria, a CGU entrevistou, por amostragem, beneficiários que sofreram descontos. Dos cerca de 1,3 mil consultados, 97,6% afirmaram que nunca autorizaram os descontos.
No caso da Conafer, a amostra foi de 56 pessoas, em 16 unidades da federação. Todos afirmaram que não deram autorização para a entidade aplicar os descontos. O convênio da Conafer com o INSS é de 2017. No ano anterior, ela passou a ser presidida pelo pecuarista mineiro Carlos Roberto Ferreira Lopes.
A entidade é a segunda que mais conseguiu esses recursos, atrás apenas da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).