Governo rescinde acordos com ONG ligada à secretária do PT
BRASÍLIA – O governo está em processo de rescisão unilateral de dois acordos com uma ONG ligada a integrantes do Partido dos Trabalhadores no Amazonas por suspeitas de irregularidades na aplicação de verbas públicas recebidas.
Em nota, a ONG afirmou ter sido vítima de acusações infundadas que visavam macular sua imagem (leia mais abaixo).
O encerramento das parcerias com os ministérios da Cultura e do Trabalho, que somavam R$ 3,1 milhões, está sendo feito por recomendação técnica das pastas. Uma parte dos recursos foi liberada.

O prazo do convênio foi encerrado sem renovação. Na prática, o processo de rescisão terá como efeito prático um pedido de devolução de cerca de R$ 600 mil, em valores corrigidos.
A ONG Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (IAJA) foi fundada por Anne Moura, secretária nacional de Mulheres do PT. Como revelou o Estadão, ela foi gravada por um ex-aliado pedindo para que os recursos e a estrutura da entidade fossem usados na campanha eleitoral dela, em 2024.
Apesar de manter influência sobre a entidade e ter indicado os ex e os atuais dirigentes da ONG, o parecer técnico do ministério do Trabalho poupou Anne Moura porque ela não fazia parte dos quadros da entidade formalmente.
“É importante esclarecer que a Sra. Anne Moura não figurava como dirigente da instituição, conforme documento emitido para celebração do instrumento, bem como não foi listada como credora de nenhum pagamento efetuado com recurso do Termo de Fomento”, diz o documento, do último dia 8.
O ministério do Trabalho não avançou sobre o possível uso irregular para campanha dos recursos destinados à ONG. A parceria previa, ao todo, R$ 1,2 milhão, sendo que só uma parte foi repassada.
“Embora as ações de fiscalização adotadas por este órgão concedente tenham resultado na identificação de dano ao erário em virtude de irregularidades na execução financeira do recurso repassado, esta Secretaria não é capaz de estabelecer conexão de desvio do recurso para fins políticos partidários ou eleitorais, como sugerido na denúncia e em reportagens que foram publicadas na mídia, envolvendo o desvio de dinheiro por parte do Instituto”, diz o documento.
Para a defesa da ONG, as observações “descredibilizam por completo a acusação levianamente aventada”.

O parecer pede para que a Assessoria Especial de Controle Interno (AECI) do ministério de Luiz Marinho analise o encaminhamento do caso para o Ministério Público Federal e demais órgãos de controle. Em nota, a pasta informou que a AECI está em fase de análise de providências.
A fiscalização do ministério apontou que a ONG Iaja, sediada em Manaus (AM), não cumpriu a regra de cotar três preços antes de contratar empresas prestadoras de serviços e firmou um contrato de consultoria antes mesmo da sondagem ao mercado.
Também detectou que a ONG fez contratos com cláusulas genéricas que impedem a verificação dos serviços e o cumprimento de metas. Além disso, usou 97% dos R$ 600 mil que recebeu antecipadamente sem direcionar nada especificamente para capacitação profissional.
Como mostrou o Estadão, um ex-presidente do Iaja gravou Anne Moura dizendo que ele deveria direcionar recursos públicos recebidos pela ONG à campanha eleitoral dela. Em 2024, ela concorreu à vereadora de Manaus pelo PT e não foi eleita.
“Eu quero falar do projeto nosso, do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Nós precisamos saber como que… Eu preciso de dinheiro. De forma objetiva: eu preciso de dinheiro. Estamos prestes a ganhar essa eleição, só que a gente precisa saber como a gente vai fazer isso”, afirmou no áudio gravado sem que ela soubesse.
No caso do convênio com o Ministério da Cultura (MinC), de R$ 1,9 milhão, a rescisão também está em andamento. A ONG foi contratada para coordenar o comitê de cultura do Amazonas, um programa lançado pela pasta de Margareth Menezes que acabou dominado por militantes partidários.
No relatório técnica da Cultura, os técnicos afirmam que a única providência tomada pela ONG foi desligar o antigo presidente, sem “demonstrar quaisquer mudança de postura” para sanar as fragilidades e os “graves fatos denunciados”. A antiga gestão tinha diretores também indicados por Anne Moura e que continuam no comando da entidade.
A pasta também abordou a publicidade de materiais de campanha de Anne Moura na página oficial do comitê de cultura, na rede social, revelada pelo Estadão.
“As redes foram usadas com fins eleitorais, mesmo que se comprove a não intencionalidade, o que fere completamente ofício-circular n˚ 46 que determinou para todos os comitês a conduta durante o período eleitoral”, ressalta.
Anne Moura foi gravada dizendo que o ministério deu aval para que a estrutura do comitê fosse usada para ajudar a campanha eleitoral dela.
“Quando eu fui lá no MinC agora, da última vez, o pessoal me perguntou: ‘Anne, o comitê tá te ajudando?’ Eu disse: não, Roberta, não tá. Ela tava na sede do PT, na reunião e perguntou: ‘o comitê tá te ajudando? Porque nos outros lugares está tudo ajudando’. Porque eu fui pedir dinheiro também, tô pedindo ajuda para ganhar a eleição. Aí ela disse: ‘o comitê tá te ajudando com alguma coisa nas agendas, nas atividades? O comitê não pode te dar dinheiro, mas eles podem promover atividade para te ajudar. Eles estão te ajudando?’”, contou.
Em nota, o ministério informou que assegurou o contraditório e a ampla defesa à ONG, após uma suspensão cautelar para apurar as denúncias. Neste momento, a parceria “encontra-se em processo de rescisão unilateral”.
“Reiteramos o compromisso deste ministério com a legalidade, a transparência e o devido processo administrativo”, frisou.
A ONG Iaja, por meio do advogado Hamilton Azevedo, disse que foi vítima de denúncias infundadas.
“A atual gestão do Iaja, desde o primeiro momento, demonstra seu compromisso em corrigir eventuais falhas herdadas, implementando medidas de saneamento e melhoria de governança, reiterando seu compromisso intransigente com a gestão ética, transparente e eficiente dos recursos públicos. O Iaja reafirma seu integral apoio aos órgãos de controle e fiscalização e continuará à disposição para colaborar com todas as instâncias, pois entende que a legalidade e o escrutínio são pilares inegociáveis para a construção de uma sociedade justa”, destacou.