O beija-flor, o elefante e a arte de se curar fazendo o bem
O trabalho voluntário é uma estrada com dois sentidos: de um lado, leva dignidade, autoestima e apoio concreto a quem precisa; do outro, devolve ao benfeitor algo ainda mais valioso: a transformação interior, a alegria genuína de ser útil. Mais do que um gesto altruísta, é uma experiência que humaniza quem recebe e engrandece quem oferece. Não por acaso, é cada vez mais reconhecido pelas empresas como sinal de empatia, proatividade e inteligência emocional.
Surpreendente e encantadora é a alegria com que os voluntários relatam suas atividades, compartilhando uma energia positiva muito forte como se praticassem uma terapia gratificante: é a voluntarioterapia. Por quase cinco décadas, atuei como diretor de escola e professor. Ao longo desses anos, especialmente no contraturno das aulas, organizávamos saídas em ônibus com alunos e alunas, docentes e até pais, mães e responsáveis — todos voluntários —, para vivenciar uma realidade pouco conhecida por grande parte deles: passar uma tarde em uma escola pública da periferia, interagindo com os estudantes locais nas salas de aula, nos pátios e, mais enfaticamente, por meio de atividades esportivas e recreativas.
Outra iniciativa que realizávamos com frequência eram visitas a asilos, para pintar os muros, plantar heras e promover momentos de profunda humanização. Os estudantes cantavam músicas cuidadosamente ensaiadas — sucessos da juventude dos idosos —, encenavam pequenos jograis, aparavam unhas e cabelos, bem como levavam doações de alimentos e medicamentos. Aos professores e professoras, cabia a missão de contextualizar essas ações por meio de atividades escolares nos diversos componentes curriculares, transformando cada gesto solidário em aprendizado significativo.
Dessas ricas experiências, colhemos alguns depoimentos dos participantes, entre os quais jovens alunos e alunas:
“Quando estou praticando o voluntariado, esqueço os meus problemas, até porque os meus problemas são pequenos diante da realidade que estou vivenciando.”
“Saí da zona de conforto e arregacei as mangas. Estou cansada, mas feliz.”
“Combate a tristeza e amplia a rede de amigos, e amigos generosos.”
“Aprendi a ser mais humano e mais humilde.”
“Levanta o ânimo e afasta os pensamentos ruins.”
Milhares de jovens vivem em uma torre de marfim, alheios às dores coletivas em seu blindado mundo — o universo de redes sociais, shoppings, clubes, games, festas glamourosas, condomínios, prédios-fortalezas e, o mais grave, escolas igualmente indiferentes às desigualdades que os cercam. Em geral, a juventude é generosa, mas carece de iniciativa e de uma consciência mais ampla de seu papel na transformação da realidade.
Numa pesquisa que realizamos com 1.900 alunos e alunas de três escolas de Curitiba, constatamos que apenas 8% dos jovens participavam de ações comunitárias, conquanto 71% gostariam de participar, mas não sabiam como. Assim, estamos muito aquém dos Estados Unidos (onde cerca de 43% dos jovens entre 16 e 24 anos já participaram de algum tipo de voluntariado formal) e da Europa (na qual países como Holanda, Alemanha e Suécia apresentam taxas superiores a 50%).
É imprescindível que o jovem se incorpore às práticas e à cultura de solidariedade na família, na escola ou na igreja, um aprendizado de cidadania, empatia e liderança, porque vai desenvolver habilidades interpessoais, ampliar a visão de mundo e tornar-se mais resiliente. O terceiro setor, que concentra atividades sem fins lucrativos, movimenta cerca de 4,27% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e é responsável por aproximadamente 6 milhões de ocupações, indo muito além da filantropia: é relevante, dá boa tração à economia e à transformação social.
Mesmo fazendo pouco, o trabalho comunitário enobrece, e o voluntário se torna mais colaborativo, estabelece bons relacionamentos, aprende a se doar, desenvolve mais rapidamente a liderança e deixa de se apequenar diante das vicissitudes inerentes à vida. Belas e oportunas são as palavras do ícone maior do voluntariado, Madre Teresa de Calcutá: “Minhas ações podem ser pequenas, gotas no oceano. Mas sem essas gotas, o oceano seria menor.”
É preciso ser proativo, como o fabulativo beija-flor em contraponto ao egocêntrico elefante: era verão e o fogo crepitava feroz na floresta, levando o pesado elefante a fugir para o grande rio que permeava a floresta, enquanto os outros animais se puseram a debelar o incêndio. O beija-flor apanhava uma minúscula porção de água e a arremessava sobre as chamas, enquanto o elefante, com sua tromba avantajada, refestelava-se na segurança do rio. Este, ao observar a pequena ave colaborativa em suas idas e vindas, perguntou: “Meu amigo, que fazes? Não vês que de nada serve a tua ajuda?”. “Talvez sim”, respondeu o beija-flor, “mas o importante para mim é que estou fazendo a minha parte!”