Após ressuscitar Lula por duas vezes, direita agora fez renascer manifestações de rua da esquerda
A direita brasileira, como se define hoje, nasceu em um momento em que o Brasil colapsava diante da exposição das entranhas políticas de Brasília, em meio a uma crise econômica que levou milhares de pessoas às ruas contra a política e contra o então governo de esquerda, já sob processo de impeachment. O resto da história é conhecido: cai Dilma Rousseff, entra Michel Temer, Alexandre de Moraes é nomeado para o STF e chegamos aos dias atuais.
Nesse intervalo, o País passou pelo disruptivo governo Bolsonaro que, de tão alheio à política convencional, abriu mão dela, transferindo ao Congresso a gestão de metade do orçamento livre da União, por meio de uma anomalia que permite alocar recursos sem transparência e concede aos parlamentares um poder jamais visto desde a redemocratização.

Ao terceirizar a política, o então presidente passou a se dedicar a inflamar as redes sociais, com polêmicas e declarações desastrosas, e a se entreter com sua assessoria, formada por militares sem traquejo para compreender o ambiente em que atuavam. Era militar em tudo quanto é lado, até no Ministério da Saúde, em plena pandemia. O resultado foi a volta de Lula ao Planalto.
Mas, antes da posse do sucessor, a situação se agravou quando Bolsonaro, agarrado à ilusão do poder, se envolveu em uma trama que acabou resultando em sua condenação a 27 anos de prisão, por tentativa de golpe de Estado.
Nesse meio tempo, o ambiente da direita passou a viver um verdadeiro clima de “barata voa”, com cada grupo puxando o pano para o seu lado e deixando todos descobertos. Eduardo Bolsonaro, de olho no espólio político do pai, correu para os Estados Unidos, de onde comandou um boicote sem precedentes ao Brasil, com resultados desastrosos. Impulsivo e imaturo – segundo aliados, Eduardo tem o carisma de um limão e a delicadeza de um elefante em loja de cristais.
Atacou aliados, pressionou, esperneou, ensaiou uma candidatura natimorta à Presidência, xingou o pai, chamou de traidor quem poderia ajudar a unificar a direita, se autoexilou e ainda tramou para continuar recebendo salário pago pelo povo brasileiro, enquanto tirava fotos com a família na Disney. No fim, entregou a Lula mais pontos nas pesquisas, ao dar a ele novas bandeiras, entre elas a da soberania e do patriotismo, e ao retirar do governo petista a exclusividade pela autoria dos problemas econômicos, transferindo para a taxação de Trump parte da culpabilização.
Diante do descompasso de um bolsonarismo amargurado, impulsivo e perdido, o Centrão – sempre ele – conseguiu juntar a anistia à PEC da Blindagem. O resultado foi desastroso. Deputados de direita mergulharam de cabeça, aprovando uma proposta vista como um salvo-conduto para criminosos.
Com isso, em tempo recorde, a esquerda convocou showmícios pelo País e reuniu milhares de pessoas nas ruas das principais cidades brasileiras. Foram 48 horas de divulgação e quase 100 mil pessoas, somadas, na Avenida Paulista e em Copacabana.
Isso comprova que a direita bolsonarista é o maior ativo de Lula. Foi ela quem o ressuscitou duas vezes e, de quebra, ainda deu à esquerda o motivo que precisava para voltar a ocupar as ruas.
E nada é mais eficaz do que a rua para modular os movimentos dos políticos às vésperas de um ano eleitoral. As lideranças mais atentas e experientes farão agora sua inflexão e apontarão para a frente, deixando o passado para os que ainda acreditam que voto tem dono e que eleitor é fiel. Quem não sabe ler as entrelinhas fica de fora do jogo e, hoje, apostar apenas em bolhas não é só arriscado, mas um erro crasso.