Manifestações enterram PEC da Blindagem, mas não afetam redução de penas, dizem líderes partidários
BRASÍLIA – As manifestações que ocorreram em todas as capitais do Brasil neste final de semana foram a “pá de cal” à “natimorta” proposta de emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, mas não foram expressivas o suficiente para afastar a tramitação de uma revisão do projeto de anistia, prevendo apenas redução de penas aos envolvidos no 8 de Janeiro, dizem líderes partidários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ouvidos pelo Estadão.
Essas lideranças concordam que o movimento foi maior que o esperado e que a pressão popular, nas ruas e nas redes, é avassaladora o suficiente para impedir que a PEC avance no Congresso Nacional. A pressão em ambiente digital, especialmente, é o que assustou alguns dos líderes.

A repercussão sobre a PEC que protege parlamentares da abertura de processos criminais foi negativa a ponto de as lideranças partidárias não falarem abertamente sobre a votação e as consequências. O texto, aprovado na semana passada pela Câmara, tem previsão de ser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira, 24.
Sob condição de reserva, alguns deputados mencionaram, por exemplo, o erro de alguns parlamentares ao pedirem desculpas pelo voto favorável à PEC. Um discurso comum é que, em momentos como esse, o melhor é “o silêncio, o tempo e a distância”. Qualquer que seja o motivo, apontam esses parlamentares, não há como fazer qualquer comentário sobre a proposta sem “tomar porrada”.
Dentro do PT, depois de entregar 12 votos para a PEC na Câmara, a leitura é de não deixar brechas no Senado. A sigla será contra a proposta, e quem votar a favor do texto será punido pela legenda.
Diferentemente do que ocorreu na Câmara, em que o governo liberou a bancada, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), já se posicionou contra. “A ‘PEC da Malandragem’ não passará no Senado”, disse.
A discussão sobre a PEC também causou divergências dentro de bancadas partidárias. Uma das maiores confusões ocorreu na bancada do PDT na Câmara. Diante da reação negativa da população, a sigla fez uma publicação nas redes sociais para dizer que votaria contra a PEC da Blindagem. “Agora?”, ironizou um deputado no grupo de WhatsApp da bancada.
Alguns deputados do PDT ficaram inconformados. Na Câmara, a orientação do partido foi a favor da PEC. Essa crise iniciada será posta em discussão em reunião da bancada nesta terça-feira, 23.
Na manhã desta segunda-feira, 22, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) tentou. Propôs uma alternativa à PEC da Blindagem em que parlamentares pudessem barrar a abertura de processos por crimes de opinião. Não foi o suficiente – há mais comentários contra a ideia na publicação dele feita no X do que curtidas, o que é incomum de ocorrer.
Textão:
Caso o Senado decida simplesmente vetar a PEC das prerrogativas, é decisão soberana. Ainda assim, vou propor um aperfeiçoamento que pode atender a cidadania e fortalecer as prerrogativas simultaneamente.
Minha proposta é apresentar um substitutivo garantindo que essa…
— Ciro Nogueira (@ciro_nogueira) September 22, 2025
Na ala do Centrão que se opõe ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há parlamentares que reconhecem que o erro da PEC foi a falta de planejamento.
Lamentando sobre o “leite derramado”, alguns deles acreditam que se a PEC tivesse se limitado a casos sobre liberdade de expressão, haveria sucesso na tramitação nas duas Casas do Congresso. Também dizem que o PT foi sagaz ao associar a PEC ao movimento pela anistia aos presos do 8 de Janeiro.
Segundo o Monitor do Debate Público da USP, 42,4 mil pessoas compareceram à Avenida Paulista neste domingo. No ato bolsonarista pró-anistia, em 7 de Setembro, foram 42,2 mil.
Deputados e senadores acreditam que, por enquanto, o que resta é a derrota para a PEC em votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O presidente do colegiado, Otto Alencar (PSD-BA), indicou Alessandro Vieira (MDB-SE), ferrenho crítico da proposição, para ser o relator e disse esperar “enterrar” a PEC.
Anistia deve avançar, mas apenas sob a forma de dosimetria
Mesmo com o número expressivo de pessoas nas ruas, deputados e senadores acreditam que há espaço para a tramitação do projeto de lei da anistia. Agora o perdão “amplo, geral e irrestrito” por si, segundo eles, “já foi para o espaço”.
Na leitura dos líderes, a redução de penas impostas aos acusados de terem participado dos atos golpistas do 8 de Janeiro é tema consensual entre os parlamentares e não teria uma repercussão negativa entre a população.
Pesquisa Quaest divulgada na última terça-feira, 16, mostra que a anistia tem a rejeição de 41% dos brasileiros, enquanto 36% são favoráveis à anistia para todos, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Outros 10% defendem uma anistia, mas apenas para quem depredou as sedes dos Três Poderes durante o 8 de Janeiro.
Numericamente, aqueles contrários à anistia ou aqueles que defendem uma anistia sem Bolsonaro são mais da metade (51%) da população brasileira.
O próprio relator do texto na Câmara, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), já chama o texto de “PL da Dosimetria” e negocia o texto com representantes partidários.
Nesta terça-feira, ele fará um périplo para conversar com diferentes bancadas. Já estão previstas reuniões com as bancadas do PL, do PDT, do Republicanos e do MDB. No domingo, o parlamentar havia afirmado que as reuniões começariam já nesta segunda, o que não ocorreu.
O PL tem mais críticas ao texto. O líder do partido na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), diz que precisa debater a redação da proposta e espera que isso esteja resolvido apenas em, no mínimo, duas semanas. Paulinho da Força já manifestou o desejo de apresentar o relatório já nesta semana.
O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse ser contra a proposta de apenas uma dosimetria e sugeriu sanções contra o próprio relator.
“Paulinho da Força, vou retribuir o conselho que me deu, sobre colocar a mão na consciência. Entenda de uma vez por todas: eu não abri mão da minha vida no Brasil e arrisquei tudo para trazer justiça e liberdade para meu povo em troca de algum acordo indecoroso e infame como o que está propondo”, escreveu Eduardo, em publicação em rede social. “Assim como está expresso na lei, TODO colaborador de um sancionado por violações de direitos humanos é passível das mesmas sanções”, ameaçou Eduardo.