23 de setembro de 2025
Politica

Gente de outra cepa

Vale a pena, quando o descalabro parece constituir a regra em certos espaços tupiniquins, redescobrir brasileiros que ainda constituem exemplo para quem não deixou de acreditar em lisura, probidade, honra e ética.

Um deles é Campos Sales, um dos presidentes da República mais dignos e mais sérios que o Brasil já teve. Nasceu em boa cepa, gente entranhada em sólidos troncos ituanos e campineiros. Seu pai, o Tenente Coronel Francisco de Paula Sales, embora levasse vida modesta, imprimia rigor de princípios em educação e nos hábitos da velha gente bandeirante.

Quem especialmente se interessar, deve ler o livro de A.C. de Sales Júnior, “O idealismo republicano de Campos Sales”, que acompanha por mais de seis décadas a trajetória existencial do biografado, desde a infância, até o final de seus dias, num quarto de hotel no Guarujá.

Nítido o bairrismo de Campos Sales, até o seu “campineirismo”, do qual era acusado e de pecha que não recusava. Dentre os inúmeros episódios narrados na obra, consta aquele ocorrido em 1907, quando era presidente do Estado – assim se chamava o governador – Jorge Tibiriçá. Este era simpático, no momento da sucessão, à candidatura Albuquerque Lins, seu secretário da fazenda, alagoano radicado havia muito em São Paulo e ligado pelo matrimônio com a estirpe dos Sousa Queiroz.

Mas alguns se rebelaram, entendendo que a chapa oficial, que hoje ainda chamamos “chapa branca”, não convinha aos interesses paulistas. E lançou-se, para concorrer, o nome de Campos Sales.

Os acadêmicos do Largo de São Francisco entraram na campanha. Integraram o grupo salista os dois Konder – Vitor e Adolfo, o grupo Vergueiro – Cesar e Lorena, Nilo Costa, Lino Moreira, mais o grupo gaúcho – Basileu Azeredo, Fernando Lara Pinheiro e muitos outros.

Embora a juventude fosse entusiasta, não sabia fazer política. Num comício realizado no Teatro Santana, que ficava entre as ruas Boa Vista e 3 de Dezembro, os oradores não conseguiam transmitir o seu recado. Além do declínio de entusiasmo, surgiam apartes irrespeitosos. Por isso a campanha foi cambaleando e na Convenção partidária, realizada em 25 de setembro de 1907, no salão Steinway, que depois foi sede do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, foram escolhidos os nomes de Albuquerque Lins e do Coronel Fernando Prestes, como candidatos à presidência e à vice-presidência de São Paulo.

Votavam senadores e deputados federais e estaduais, que eram 94. A chapa vencedora conseguiu 54 votos e aquela de Campos Sales e Virgílio Rodrigues Alves obteve 40.

Dias depois, Campos Sales e Francisco Glicério, chefes graduados do grupo vencido declararam que a minoria se conformava com o voto majoritário. Campos Sales era homem de irrepreensível dignidade e reconheceu que Jorge Tibiriçá visava a continuidade da política de defesa do café, apoiada no Convênio de Taubaté. Foi a tese que convenceu os parlamentares, todos ligados à principal produção agrícola de São Paulo.

O Estado amealhara enorme estoque de café, que deveria ser negociado e vendido aos poucos, para não sufocar a praça de Santos, de significante influência na estratégia da exportação. Campos Sales sabia disso, também era agricultor e sofria as agruras do momento. Mas era campanha eleitoral e as artimanhas precisavam descobrir na candidatura dele uma fissura, uma brecha frágil, a ser explorada pelos adversários.

Disseminou-se a versão de que Campos Sales queria vender o café a qualquer preço e entregar a lavoura aos especuladores. Tudo começou num jornal de Descalvado, artigo que logo foi reproduzido em grandes jornais. Deu no que deu.

À tarde, os convencionais que o sufragaram foram à casa em que estava hospedado, à rua Verona, hoje Aureliano Coutinho. Foi Francisco Glicério quem transmitiu o resultado da votação. Campos Sales ouviu a breve notícia em pé, com o mesmo olhar que, ao findar seu quatriênio presidencial, deixou o Rio vaiado e apupado pela ralé dos subúrbios, insuflada pela imprensa hostil, que ele se obstinara em não subvencionar. Enxugou duas lágrimas teimosas, abraçou Francisco Glicério e, depois, os poucos correligionários que ali estavam, pois a derrota costuma ser órfã.

 

 

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