Compra de jet ski faz CPI abrir nova frente para investigar elo entre ‘Careca do INSS’ e senador
BRASÍLIA – A compra de um jet ski com dinheiro repassado pelo empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, vai fazer a CPI instalada no Congresso abrir uma nova frente de apuração que pode apontar elos de um senador da base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o esquema.
Um secretário municipal do interior do Maranhão recebeu R$ 100 mil do “Careca do INSS”, e o valor está relacionado à compra de uma moto aquática. A CPI pretende descobrir o verdadeiro beneficiário do veículo.
Integrantes da comissão seguem pistas que indicam relação política entre o destinatário do dinheiro e o senador Weverton Rocha (PDT-MA). Procurado, o senador não se manifestou e sua assessoria afirmou que a linha de apuração é descabida.

Em julho de 2024, o “Careca” repassou R$ 100 mil a Sílvio Emílio Silva, secretário municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos de Presidente Dutra (MA). A transferência está registrada como suspeita no inquérito da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.
A finalidade do dinheiro foi revelada ao Estadão pelo prefeito da cidade, Raimundinho da Audiolar (MDB), que é sogro do secretário.
“Pelo que conversei com ele, ele disse que foi um jet ski que ele repassou”, declarou, mas se negando a revelar quem seria o verdadeiro dono da moto aquática. A cúpula da CPI do INSS também tem a informação sobre compra de jet ski.
Procurado pelo Estadão, Sílvio Silva disse à reportagem que se manifestaria sobre o jet ski após um jantar com a família. Entretanto, não deu retorno a novas tentativas de contato. O prefeito chegou a dizer que pediria para o próprio genro dar as informações à reportagem. Depois mudou de ideia e falou que não tocaria mais no assunto.

Prefeito e secretário estiveram no gabinete de Weverton Rocha, em Brasília, em fevereiro, sete meses após o pagamento do “Careca do INSS” ao secretário municipal. A CPI tem protocolados pedidos de convocação e de quebra de sigilos do secretário municipal.
“Diante das fundadas suspeitas apontadas na investigação da Polícia Federal e do risco de envolvimento de agentes públicos em transações financeiras escusas, é urgente a aprovação deste requerimento de quebra de sigilo”, diz o texto protocolado pelo deputado Kim Kataguiri (União-SP).
Weverton Rocha já afirmou publicamente ter recebido o “Careca do INSS” em seu gabinete por três vezes, mas para tratar de assuntos legislativos. O empresário é peça central no suposto esquema de descontos ilegais a aposentados que desviou pelo menos R$ 6,3 bilhões e foi desbaratado na Operação Sem Desconto.
Aliados de Weverton no entorno do operador do ‘Careca do INSS’
A CPI do INSS também passou a investigar uma possível relação entre o ex-diretor financeiro das empresas do “Careca do INSS” com o senador Weverton Rocha. Milton Salvador de Almeida Junior, apontado pela Polícia Federal como operador financeiro do esquema, prestou depoimento à comissão na noite de quinta-feira, 18, e o parlamentar foi citado em questionamentos.
A possível ligação de Milton Salvador com Weverton se dá por meio de dois advogados. Um é Antônio Malva Neto, que já esteve nomeado no gabinete do senador e foi diretor do Ministério das Comunicações no período em que o grupo de Weverton Rocha controlava a pasta.
Malva Neto foi o advogado que prestou assistência jurídica a Milton Salvador durante o depoimento e acabou, de forma pouco comum em CPIs, sendo destinatário de perguntas feitas por deputados e senadores. Os parlamentares quiseram entender o vínculo dele com Weverton Rocha, mas ele se negou a responder.
O outro advogado é um antigo sócio de Malva Neto, Willer Tomaz de Souza, compadre e amigo de Weverton Rocha. O advogado Malva Neto era formalmente sócio do escritório de Willer quando assumiu a diretoria de radiodifusão privada do ministério. Hoje, aparece no Cadastro Nacional de Sociedade de Advogados como “associado”.
O Estadão revelou que, como diretor do ministério, Malva Neto agilizou processos de interesse do grupo empresarial de Willer Tomaz no Maranhão. O advogado mantém naquele Estado negócios que o aproximam de Weverton Rocha, a exemplo do Sistema Difusora do Maranhão, que abrange a TV Difusora, a Rádio Curimã, a Rádio Caxias e a Aurora FM. O senador e aliados transitam nos corredores e na programação das emissoras.

Em 2021, o advogado Willer Tomaz de Souza repassou R$ 120 mil a Milton Salvador, como consta na investigação da PF. No depoimento à CPI, o ex-diretor do “Careca do INSS” afirmou que à época ele somente trabalhava na área financeira de um grande grupo empresarial de Brasília. Questionado sobre o pagamento feito por Tomaz, disse que prestou “serviço de consultoria financeira para a empresa dele”.
Em nota, Willer Tomaz afirmou, por meio da assessoria, que os serviços prestados por Milton Salvador a ele não têm qualquer ligação com os fatos investigados hoje e dizem respeito a um contrato de quatro anos atrás, sem relação com a Operação Sem Desconto.
Também afirmou que o trabalho de Malva Neto como procurador de Milton Ribeiro é realizado com autonomia técnica e “sem qualquer ligação com a contratação pontual realizada por Willer Tomaz em 2021 ou com os fatos sob apuração”.
A comunicação do advogado reiterou que “não possui e jamais possuiu qualquer relação, direta ou indireta, com os acontecimentos investigados pela CPMI do INSS, sendo indevida e irresponsável qualquer tentativa de vinculação de seu nome a tais fatos”.
Antônio Malva Neto não se manifestou.
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) disse ser difícil acreditar na coincidência entre os nomes no entorno de Milton Salvador.
“Em relação às vinculações do advogado com vários que estão circundando toda a história do INSS, é muito difícil acreditar em coincidência, que o Milton veio a contratar um advogado que justamente advoga para os mesmos políticos que estão sendo frequentemente citados nesse escândalo de corrupção no INSS”, comentou.
O deputado Evair de Melo (PP-ES) perguntou a Milton Salvador se ele saberia dizer se o advogado que o acompanhava “já tinha sido sócio ou assessor de algum deputado ou senador”. O ex-diretor disse não saber e o deputado pediu para que a pergunta fosse feita diretamente a Malva Neto.
O presidente da CPI, senador Carlos Viana (Podemos-MG), sugeriu a suspensão da sessão para que advogado e cliente conversassem. “Não precisa. Eu só não vou responder”, disse Malva Neto.
Viana insistiu sobre a origem do advogado no caso e perguntou a Salvador se foi ele mesmo quem contratou o profissional. O depoente disse que sim.
Milton Salvador afirmou que movimentou pelo menos R$ 140 milhões nos 14 meses em que prestou serviços de administração financeira para empresas do “Careca do INSS”. Ele disse que foi contratado em fevereiro de 2024 após o ex-chefe ter o descoberto pelo Linkedin, a rede social de perfis profissionais.
Em entrevista ao Estadão na semana passada, o relator da CPI, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), afirmou estar convicto de que os trabalhos do colegiado atingirão parlamentares.