Arte da política é quando Lula e Trump discordam em tudo, mas conversam por 39 segundos e se abraçam
Das tantas teorias sobre a política, uma delas é que se trata de uma substituição da guerra por outro mecanismo de poder, menos letal. Até então, sem a existência da política, tribos rivais precisavam entrar em campo de batalha para decidir sobre os seus pontos divergentes. Os mais fortes levavam tudo. Agora, na democracia, são necessárias intensas negociações e discussões barulhentas e penosas para se chegar a um acordo. Quando não é possível um entendimento, as questões controversas se disputam no voto. Quem defende a antipolítica, na prática, quer a volta do estado de violência. Prestem atenção nas franjas do bolsonarismo, que no final das contas, partiram mesmo foi para o quebra-quebra contra as instituições.
O suposto abraço entre o presidente americano Donald Trump e o presidente Lula, há pouco, na Assembleia Geral da ONU, quando proferiram discursos contundentes em que quase não houve nenhum ponto em comum, mostra algo que é do triunfo da política: manter as boas relações pessoais mesmo que nenhuma ideia se encaixe. Pode ser hipocrisia? Não sabemos. Mas é melhor do que um país declarar guerra a outro quando se estranham. Aliás, quanto tempo duraria o mundo se não houvesse a hipocrisia? Mais de uma semana?

Em sua fala, Lula atacou as sanções que o Brasil tem sofrido dos EUA, criticou as políticas anti-imigração patrocinadas por Trump, defendeu ações ambientais, lamentou a decadência do multilateralismo, atacou a política de Israel pela morte de palestinos inocentes e por aí vai. Trump, na sua vez, disse que as tarifas são para corrigir injustiças históricas contra os EUA, considerou os imigrantes ilegais como traficantes ou estupradores, disse que a agenda verde representa um colapso e o aquecimento global é uma farsa, e defendeu Israel, devido aos reféns que continuam em poder do grupo terrorista Hamas.
Nenhum dos chefes de Estado citou o nome do outro. O Brasil só foi mencionado por Trump perto do final de seu longo pronunciamento, em que disparou com agressividade contra os consensos da política liberal. Mas eis que o norte-americano sai do protocolo dos discursos lidos (já havia reclamado da quebra do teleprompter, assim como do enguiço da escada rolante) e faz um elogio ao presidente brasileiro. Pelo que dá para induzir da fala de Trump, se encontraram ali pelo plenário da ONU e conversaram por “39 segundos” – ainda não sabemos se o tempo cronometrado inclui ou não o abraço.
Pelo curto tête-à-tête, Trump já concluiu que Lula parece um homem bom e acha que o brasileiro acha o mesmo dele. Irão se encontrar na próxima semana, anunciou. Tirou um peso das costas do líder do PT, bastante criticado por inação em relação ao congênere americano. Ainda é impossível prever se o encontro ocorrerá de verdade e mesmo se haverá algum resultado positivo. Mas fica o recado para quem defende a tese de que inimigos políticos também devem ser inimigos pessoais. Nem Trump pensa assim. A civilização, inclusive, se construiu quando conseguimos superar os instintos mais agressivos em nome de uma boa negociação política.