Garantistas e punitivistas
A posição do Ministro Fux no recente julgamento da trama golpista reacendeu antiga discussão sobre o comportamento-garantista ou punitivista- de magistrados em matéria criminal.
Não poucos analistas ironizaram o Ministro que, de uma hora para outra, teria se tornado garantista quando, em verdade, ao longo de sua trajetória como julgador, sempre se mostrou punitivista.
Foram lembradas as decisões de Fux nos julgamentos de casos da Lava Jato- sempre a favor das teses acusatórias- e suas próprias decisões para os hoje chamados de “baderneiros” de 08 de janeiro de 2023.
Ademais, estatísticas mostram que Ministro Fux é o que menos concede habeas corpus em casos de sua relatoria.
É sempre possível dizer que cada caso é um caso, pelo que decisões anteriores e dados estatísticos não são aptos a afastar, em todos os casos, o rótulo de garantista.
Há, porém, um dado concreto que mostra com clareza a posição do Ministro.
Em fins de 2019, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei, de autoria do então poderoso Ministro da Justiça Sérgio Moro, chamado pomposamente de Pacote Anticrime com importantes mudanças em matéria penal, processual penal e de execuções penais. O pacote tinha o anunciado objetivo de endurecimento, mas foi atenuado por modificações feitas por membros do Congresso. A principal modificação, que representou uma derrota para Moro, foi a criação do juízo de garantias.
O juízo de garantias, reinvindicação da advocacia criminal tida como garantista, demorou para ser introduzido em razão de liminar monocrática, concedida exatamente pelo Ministro Fux.
A decisão monocrática perdurou por anos e ignorou a norma aprovada pelo Congresso Nacional (não seria caso de protagonismo judicial, censurado por Fux em seu voto?). Só foi levado a plenário, dizem, por pressão dos demais ministros.
Em seu voto (vencido) Fux ponderou: “juiz de garantias não passa de um nome sedutor para uma cláusula que atentará contra a concretização da garantia constitucional da duração razoável dos processos”.
Verifica-se, assim, que se justifica a estranheza para os fundamentos da decisão absolutória afinal vencida.
Em uma visão simplista, e por isso mesmo equivocada, punitivistas sempre condenam, ignoram, durante a instrução criminal, normas processuais que garantem direitos aos acusados e optam por penas exageradas. Já os garantistas dão
importância exagerada às formalidades processuais que ensejam absolvições de culpados e, na hipótese de inevitável condenação, sempre optam por penas brandas.
Óbvio que o rótulo- punitivista ou garantista-, por ser simplista, é insuficiente para definir um julgador ou operador do direito. Até porque as posições mudam de acordo com a circunstância.
Bolsonaristas que, ao longo dos anos, criticavam, por exemplo, o sistema progressivo de penas, a possibilidade de prisão domiciliar e as audiências de custódia, procuram hoje se valer de juristas rotulados como garantistas.
Não deixa de ser irônico ouvir vozes dos que sempre defenderam a prisão sem o trânsito em julgado lamentando o não cabimento de recurso ao plenário da decisão da turma do Supremo Tribunal Federal.
O ideal seria que a posição de um jurista, uma vez que a divergência é absolutamente natural quando se trata de interpretação, não seja influenciada (quando não determinada) pelo caso concreto.
Feitas estas observações, não há como negar, porém, que, na prática, visões diferentes influenciam diretamente nas decisões judiciais.
Não por acaso, advogados criminais, defensores públicos e promotores de justiça, ou seja, as partes do processo, em alguns processos são capazes de prever o resultado de um julgamento ao verificarem a distribuição a um ou outro órgão colegiado, máxime se a discussão envolver interpretação jurídica de uma determinada conduta.
Não deveria ser assim, mas é forçoso se admitir que a distribuição a uma ou outra câmara pode decidir o destino de um réu. A validade de um reconhecimento, o valor probante do depoimento de policiais, a importância da apreensão de um determinado objeto são questões que podem ensejar interpretações diversas, assim como ocorreu no julgamento da trama golpista quando se discutiu, com argumentos validos para qualquer posição, a absorção de crimes ou a existência de concurso material de crimes.
A possibilidade de decisões diferentes para casos semelhantes, se não é desejável, não comporta maiores críticas aos julgadores. Todas as posições adotadas nos julgamentos são fundamentadas e não são poucos os mecanismos que permitem a reapreciação até o trânsito em julgado.
Para citar um exemplo de polêmica e divergência em julgamentos, discute-se hoje a possibilidade de a autoridade policial e o Ministério Público acessar, independente de autorização judicial, documentos da Receita Federal ou do COAF. As duas posições são sustentáveis, mas enquanto a advocacia criminal aguarda uma definição que, certamente, será chamada de garantista, o Ministério Público postula uma decisão que será rotulada de punitivista. A decisão, para um ou outro lado, terá grande impacto em inúmeras medidas já tomadas em rumorosos casos em andamento. O que se deseja é que a decisão final não seja tomada em razão de algum interesse não republicano e sim em razão da melhor intepretação legal para a hipótese.
Como dito acima, e para encerrar, os rótulos são perigosos.
Nada impede, ao contrário tudo permite, que um juiz garanta o respeito ao devido processo legal ao mesmo tempo em que puna com rigor uma conduta grave.
Seja como for, é sempre reconfortante ver os que, durante anos, viram as garantias processuais e o respeito aos direitos humanos como algo romântico e desnecessário, hoje se tornem ferrenhos defensores do garantismo.
Bem-vindos!