24 de setembro de 2025
Politica

No rastro de Don Corleone e Pato Donald, PF chegou ao presidente da Império da Casa Verde e ao PCC

A investigação que levou a Polícia Federal a prender nesta terça-feira, 23, o presidente da escola de samba Império de Casa Verde, Alexandre Constantino Furtado, teve início há quatro anos, em fevereiro de 2021, a partir da apreensão de 458 quilos de cocaína no Porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA), a 111 quilômetros de Belém.

O Estadão busca contato com a defesa.

A droga estava distribuída em 14 malas escondidas em um contêiner junto a uma carga de pedras de quartzo que seria embarcada ao Porto de Rotterdam, na Holanda.

Cocaína apreendida no Porto de Vila do Conde.
Cocaína apreendida no Porto de Vila do Conde.

O flagrante deu início a uma intensa investigação da Polícia Federal para chegar aos envolvidos no tráfico internacional de drogas. O inquérito culminou na Operação Vila do Conde, deflagrada nesta terça, 23, e revelou as digitais de nomes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no esquema.

Por ordem da 4.ª Vara Criminal Federal de Belém, base da operação, efetivos da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO/SP) saíram às ruas logo cedo para cumprir 22 mandados de prisão preventiva e 40 de busca e apreensão em São Paulo, Pará, Mato Grosso do Sul, Minas e Goiás. Ao todo, 13 pessoas presas – uma delas em flagrante. Quatro alvos dos mandados de prisão já estavam detidos.

Operação Vila do Conde: 22 mandados de prisão preventiva e 40 de busca e apreensão.
Operação Vila do Conde: 22 mandados de prisão preventiva e 40 de busca e apreensão.

Testa de ferro

As primeiras diligências, ainda em 2021, foram infrutíferas. Os peritos papiloscopistas não conseguiram identificar impressões digitais nos tabletes da droga.

Os investigadores seguiram então pela “ponta”. Primeiro, interrogaram o motorista da transportadora que entrou com a carga no porto. Ele disse ter recebido o contêiner lacrado.

As suspeitas recaíram, então, sobre o dono da empresa que constava como exportadora das pedras de quartzo. Rolfheber Soares Lima, de 42 anos, sócio da M & R Trading, é apontado na investigação como um “testa de ferro”.

A casa de Rolfheber Soares Lima, apontado na investigação como 'testa de ferro' da operação.
A casa de Rolfheber Soares Lima, apontado na investigação como ‘testa de ferro’ da operação.

Apesar de ter um capital social declarado de R$ 1 milhão, a M & R Trading não tem sede própria. Está registrada no endereço de um escritório de contabilidade que prestou serviços à empresa. Além disso, em 2019, Rolfheber declarou no Imposto de Renda ter recebido apenas R$ 46.644,44.

Os policiais federais estiveram na casa dele no dia 12 de fevereiro de 2021 e concluíram que Rolfheber não teria capacidade financeira para financiar a quantidade de droga apreendida no Porto de Vila do Conde.

“O alvo notadamente atua como interposta pessoa para alguém com poder aquisitivo muito superior”, detalha a PF na investigação.

Em busca das conexões do “testa de ferro”, a Polícia Federal foi atrás da empresa que forneceu o quartzo a Rolfheber e chegou à TM Exportação e Extração de Minério, que já era alvo de outra investigação, a Operação Calvary. A descoberta fez os inquéritos se cruzarem, permitiu o compartilhamento de informações e deu uma guinada no caso.

Malas de cocaína no avião: droga saiu de Sorocaba com destino a Belém em aeronave privada.
Malas de cocaína no avião: droga saiu de Sorocaba com destino a Belém em aeronave privada.

Sky ECC

A Operação Calvary também teve início a partir de uma apreensão de cocaína, mas no Porto de São Sebastião, litoral Norte de São Paulo, em 2020. No âmbito deste inquérito a Polícia Federal conseguiu, mediante cooperação internacional, acesso a conversas do Sky ECC, aplicativo de mensagens criptografadas de ponta a ponta que, segundo autoridades da Europa e dos Estados Unidos, foi desenvolvido para tornar a comunicação entre narcotraficantes mais segura. O sistema já é amplamente usado por grupos criminosos no mundo.

Os diálogos recuperados foram enviados à Delegacia de Repressão às Drogas da Superintendência da Polícia Federal no Pará e permitiram reconstituir como os 458 quilos de cocaína chegaram ao Porto de Vila do Conde.

Droga foi apreendida em contêiner com carga de pedras de quartzo.
Droga foi apreendida em contêiner com carga de pedras de quartzo.

‘Don Corleone’

A droga foi levada em um voo privado. A aeronave Piper PA-31T Cheyenne saiu de um hangar em Sorocaba, no interior de São Paulo, e aterrissou no aeroclube de Belém no dia 31 de janeiro de 2021, segundo a Polícia Federal.

Um nome conhecido da PF escoltou a carga até o hangar: João Carlos Camisa Nova Júnior, o “Don Corleone”, um dos interlocutores interceptados na rede de mensagens criptografadas do crime organizado. Em Belém, Tiago Costa Araújo, o “Ceará” ou Dodge”, teria recebido a droga, segundo a investigação.

'Don Corleone': 'Belém está 100%. Lá não dependemos de ninguém'.
‘Don Corleone’: ‘Belém está 100%. Lá não dependemos de ninguém’.

Os diálogos mostram que o grupo queria levar um volume maior de cocaína a Belém, mas parte da carga ficou para trás porque havia apenas uma aeronave disponível para o transporte. O avião de médio porte decolou tão cheio que a suspensão ficou rebaixada, apontam imagens e mensagens trocadas pelos próprios investigados.

Depois de colocar a cocaína no avião, Camisa Nova pegou um voo comercial de São Paulo para Belém para retirar a droga. Ele estava acompanhado de André Roberto da Silva, o “Grandão”, Hebert Luiz Vieira, vulgo “Ted”, Lucas Viveiros dos Santos, o “Lucão”, e Matheus Francisco de Lira, conhecido como “Alemão”. Hospedaram-se no mesmo hotel e voltaram à capital paulista no dia seguinte.

Dono de cocaína briga após descobrir que comparsas não fotografaram droga em contêiner.
Dono de cocaína briga após descobrir que comparsas não fotografaram droga em contêiner.

‘Pato Donald’

Toda a dinâmica foi reconstituída a partir de mensagens enviadas por Camisa Nova no Sky ECC. Um de seus principais interlocutores é Fernando Cavalcanti Ribeiro, o “Pato Donald”, suspeito de ser o dono da cocaína.

Em uma das conversas, Don Corleone garante: “Belém está 100%. Lá não dependemos de ninguém, pois lá terminal é meu. Nossas latas já estão no nosso terminal para estufar”.

Fernando Cavalcanti Ribeiro foi preso em 2023; ele seria líder de esquema de tráfico de cocaína.
Fernando Cavalcanti Ribeiro foi preso em 2023; ele seria líder de esquema de tráfico de cocaína.

A operação começou a dar errado antes mesmo da apreensão pela Receita Federal. Camisa Nova informa a “Pato Donald” que não foi possível tirar fotos da droga no contêiner. O comparsa se enfurece. Segundo ele, “os caras” não pagam se não houver “prova de que colocou dentro”. “Se manda sem foto, chega na Europa, para os caras falar que tá vazio (sic)”, reclama.

A PF passou a monitorar Fernando Cavalcanti Ribeiro, apontado como líder do esquema. Ele foi preso no feriado de Tiradentes, em 2023, quando voltava de Campos do Jordão para Sorocaba.

Alexandre Constantino Furtado é presidente da Império da Casa Verde desde 2012.
Alexandre Constantino Furtado é presidente da Império da Casa Verde desde 2012.

‘Teta’

O presidente da escola de samba Império de Casa Verde, Alexandre Constantino Furtado, é apontado como subordinado direto de “Pato Donald”.

Segundo a investigação, Constantino – conhecido no mundo do crime como “Teta” – “faz parte do núcleo fornecedor e atua na função gerencial do envio da droga para o mercado exterior”.

Ele estava em um dos grupos do aplicativo Sky ECC criado para tratar do envio da droga ao Pará, sob o codinome “Samba”.

“Tudo levar a crer, pelas provas colhidas até então, que se encontra na posição de 02 na hierarquia da Orcrim (organização criminosa)”, diz o juiz Carlos Gustavo Chada Chaves, da 4.ª Vara Federal Criminal do Pará, que determinou a prisão do presidente da escola da samba.

'Grupo 28' no Sky ECC: Alexandre Constantino Furtado estaria por trás do codinome 'Samba', diz PF.
‘Grupo 28’ no Sky ECC: Alexandre Constantino Furtado estaria por trás do codinome ‘Samba’, diz PF.

Em nota, a Império de Casa Verde disse que acompanha “o desenrolar dos fatos, mas que até o presente momento não há elementos concretos para qualquer declaração adicional”.

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem do Estadão busca contato com os citados. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com).

 

 

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