24 de setembro de 2025
Politica

O Júlio Verne das finanças

As pessoas gostam de analogias e de comparações. Pois houve um brasileiro na vida pública nacional, período da chamada “Primeira República”, cognominado “o Júlio Verne das finanças brasílicas”, tal o arrojo de suas ideias de planejar estímulo às nossas forças econômicas.

Havia os admiradores, mas também a legião dos detratores, que o considerável “incorrigível fantasista, espécie de visionário, mergulhado num campo etéreo de megalomania, completamente afastado ou esquecido das nossas necessidades maiores e mais prementes e, sobretudo, das nossas possibilidades financeiras e administrativas”, na dicção de Pelágio Logo.

Estou falando de Cincinato Braga, nascido em Piracicaba, em 7.7.1864 que, após o curso primário em Descalvado, foi terminar seus estudos em Campinas, no legendário “Culto à Ciência”, entre 1878 e 1881.

O “Culto à Ciência”, por essa época, tinha alunos como Olavo Egídio, Euclides Egídio de Sousa Aranha, Antonio de Pádua Sales, Júlio Mesquita, Luís de Campos Sales, Alberto dos Santos Dumont e João Batista Correia Neri, depois sacerdote e o primeiro bispo de Campinas, quando criada a diocese em 1908.

Fundado por monarquistas, mas liderado por chefes republicanos, a ideia inicial do colégio foi de Antonio Pompeu de Camargo. Mas a comunicou de imediato a Francisco Glicério e este enxergou a oportunidade de mostrar à sociedade o valor da educação republicana para a juventude.

A missão educacional conseguiu congregar na mesma empreitada republicanos como Glicério, Campos Sales, Joaquim José Vieira de Carvalho e Jorge Miranda, os monarquistas Visconde de Indaiatuba e Marquês de Três Rios. A escola propiciava aula de canto e mantinha banda de música e também organizara um teatro estudantil. Os dramas eram interpretados pelos alunos, todos jovens rapazes, que faziam papel masculino e feminino.

Cincinato Braga e João Batista Correia Neri eram dois excelentes atores. O primeiro fazia o papel de “Dona Mariquinhas”, na peça de França Júnior, “Tipos da atualidade”, enquanto Neri era o “barão de Cotia”.

Quando, em 1915, Cincinato Braga visitou Campinas, sede do distrito eleitoral que ele representava no Congresso Nacional, foi visitar o Bispo Dom Neri, seu amigo de infância. Ao chegar ao Palácio Episcopal, o porteiro logo avisou que seria impossível ao bispo atendê-lo, pois estava em reunião com várias congregações religiosas.

Cincinato não se apurou. Apanhou de um cartão em branco e escreveu algumas linhas, pedindo ao servidor que fizesse chegar às mãos do bispo. Ato contínuo, abriu-se a porta da recepção e o próprio Dom Neri veio ao encontro do visitante, com os braços abertos a envolvê-lo com muito carinho. Isso porque Cincinato escrevera no papel apenas duas linhas: “Dona Mariquinhas pede ao Barão de Cotia que a receba nesta visita”.

Cincinato Braga, hoje esquecido, era um patriota que não se envolvia em questões partidárias. Quando propunha alguma política pública, era sempre com a intenção de resolver problemas concretos do Brasil. Suas falas eram nutridas de excelentes ideias, projetos que poderiam ser considerados por demais otimistas e não apropriados à indigência da política brasileira. Mas eram intenções entusiastas, prenhe de argumentos que já significavam ensinamento a ser assimilado por aqueles que enxergam a política partidária como profissão e que só pensam em si mesmos, nos seus ganhos e proveitos, embora recorram ao povo a cada quatro anos, para obter os seus votos.

De sua passagem pelo Congresso Nacional restam as suas manifestações, hoje ainda servíveis como aprendizado para quem de fato pretenda atender ao interesse coletivo e melhorar a vida dos que mais necessitam. Depois de mais de século, não desapareceram as desigualdades entre os humanos que habitam esta Terra de Santa Cruz. Ao contrário, parece que se agudizam e se aprofundam os fossos que separam os incluídos e os excluídos de praticamente tudo: fortuna, oportunidades, educação, saúde, até o mínimo existencial.

O exercício da política requer pessoas probas, empáticas, sensíveis, capacitadas a se colocar no lugar dos mais carentes. Não se pode considerar civilizada uma nação que não reserve a seus filhos um horizonte garantidor daquilo que os constituintes de 1988 consideraram o supraprincípio norteador da vida pública e da vida privada: a dignidade da pessoa humana.

Aprender com próceres como Cincinato Braga não faria mal a muitas pessoas que não conseguem distinguir o que é público e, portanto, de todos, daquilo que é privado e que pertence a quem se esforçou para edificar reputação e patrimônio.

 

 

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