26 de setembro de 2025
Politica

Uma batida na casa de jogos levou Promotoria a ‘maquininhas’ e fintech do crime organizado

Uma batida na Rua da Paz, número 47, no bairro Boqueirão, em Santos, no litoral de São Paulo, ainda em 2020, desencadeou a investigação da Operação Spare, deflagrada nesta quinta-feira, 25, pelo Ministério Público do Estado, que desmontou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro do crime organizado. No endereço, funcionava uma casa de jogos clandestinos. O que parecia ser um flagrante de exploração ilegal de jogos de azar revelou uma complexa rede criminosa.

Entre o material apreendido na casa de jogos havia uma maquininha de cartão de crédito. Essa máquina estava registrada no nome de um posto de combustíveis, o Posto Mingatto Ltda, de Campinas, o que gerou as primeiras suspeitas de lavagem de dinheiro.

Semanas depois, outra batida, desta vez na Rua Euclides da Cunha, nº 85, também em Santos. Mais uma vez, os investigadores se depararam com uma casa de jogos que operava clandestinamente com uma máquina de pagamentos de cartões “emprestada”. O aparelho estava registrado em nome de outro posto, o Auto Posto Carrara Ltda, na capital.

O Ministério Público de São Paulo passou a investigar os postos e, com o avanço do inquérito e a quebra do sigilo telemático e fiscal dos CNPJs, os promotores chegaram a uma rede de pessoas físicas e jurídicas que teriam sido usadas em um mega esquema de lavagem de dinheiro.

Pelo menos 267 postos, 60 motéis, 98 lojas de uma franquia de perfumaria, além de hotéis, sociedades em contas de participação, usadas no setor de construções, e “laranjas” fariam parte da rede de lavagem.

Segundo as investigações, esses postos comercializam combustíveis adulterados, em um modus operandi semelhante ao que foi desmantelado na Operação Carbono Oculto, deflagrada no mês passado, que revelou conexões do Primeiro Comando da Capital (PCC) com o mercado financeiro. A venda de gasolina e diesel “batizados” seria a principal fonte de lucro do esquema, aponta o inquérito.

A Operação Spare e a Carbono Oculto têm outro ponto em comum: o uso da fintech BK Bank para movimentar os recursos. Todo o dinheiro do esquema era transferido para as contas da empresa, que operava como intermediária e depois distribuía o montante para terceiros, em uma estratégia para despistar os órgãos de investigação. O Estadão pediu manifestação do BK.

A conexão entre as investigações levou o Ministério Público a batizar a operação de hoje de “Spare” – quando um jogador de boliche derruba todos os pinos com dois arremessos em uma mesma rodada. Os investigadores avaliam que a Carbono Oculto foi o “primeiro arremesso” e que a Spare completa o desmonte do esquema.

A BK Bank teve o sigilo quebrado na Operação Carbono Oculto. Os investigadores estão analisando minuciosamente todas as transações da fintech – trabalho que deve levar meses – para desvendar o fluxo de recursos movimentado pela empresa, o que pode abrir novas frentes de investigação. Não houve buscas na sede da empresa nesta terça porque a fintech já havia sido alvo de uma investida da força-tarefa da Promotoria em agosto.

Operação Spare: 300 policiais fazem buscas em investigação do Ministério Público.
Operação Spare: 300 policiais fazem buscas em investigação do Ministério Público.

O principal investigado na Operação Spare é Flávio Silvério, apontado como o líder e “principal beneficiário” do esquema. Ele teria usado familiares e aliados como “laranjas”. Silvério estaria operando no setor de combustíveis há pelo menos duas décadas.

“As diligências lograram êxito em identificar Flávio Silvério como responsável pelos delitos de lavagem de capitais, assim como o uso da empresa BK Bank para essa operação, com definição de pessoas físicas e jurídicas que possuiriam envolvimento direto na operação”, diz a decisão da desembargadora Conceição Vendeiro, que autorizou a Operação Spare.

Bens de luxo, como imóveis, terrenos, aeronaves, empresas e uma Lamborghini Urus, teriam sido comprados com o dinheiro ilegal.

Nesta terça, 25, foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão em endereços comerciais e residenciais em São Paulo (19), Santo André (2), Barueri, Bertioga, Campos do Jordão e Osasco.

Quase R$ 1 milhão em dinheiro vivo foram apreendidos, além de 20 celulares e computadores. “A apreensão de celular e computador é muito mais importante que o fuzil, no final das contas”, afirma o coronel Valmar Racorti, comandante do Batalhão de Choque, que coordenou uma equipe de 300 policiais e monitorou a preparação de perto para evitar vazamentos.

Pelo menos um dos investigados tem amizade com membros do PCC, incluindo Wagner Ferreira da Silva, o “Wagner Cabelo Duro”, José Carlos Gonçalves, o “Alemão”, e Rafael Maeda Pires, o “Japonês”, todos mortos. Os investigadores não descartam que o dinheiro do tráfico de drogas da facção tenha ligação com o esquema da Operação Spare.

“O tráfico financiou a expansão do PCC para outros negócios, a busca da facção pela economia formal. São ações típicas de máfia, o ingresso na economia formal, na política, no sistema financeiro”, disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa.

COM A PALAVRA, OS CITADOS

A reportagem busca contato com as empresas e pessoas citadas na investigação. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com).

 

 

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