26 de setembro de 2025
Politica

Vinte estados copiam modelo de emenda Pix para distribuir recursos sem transparência; veja quais são

BRASÍLIA — Vinte Estados brasileiros copiaram a emenda Pix e adotaram o mecanismo nos orçamentos estaduais, conforme levantamento da Transparência Internacional – Brasil.

Assembleia Legislativa de Minas Gerais foi uma das primeiras a aprovar a emenda Pix no orçamento estadual, em 2019. Estado lidera em valores totais de emendas.
Assembleia Legislativa de Minas Gerais foi uma das primeiras a aprovar a emenda Pix no orçamento estadual, em 2019. Estado lidera em valores totais de emendas.

Ao aderirem à emenda Pix, os Estados escaparam do controle do Supremo Tribunal Federal (STF), que investiga as transferências no âmbito federal, e não se submeteram aos mesmos mecanismos de transparência e planejamento dos recursos públicos.

As assembleias legislativas defendem o modelo, enquanto os Executivos estaduais dizem dar transparência para os recursos (leia mais abaixo). A prestação de contas, porém, é delegada aos municípios. Em alguns casos, como Maranhão e Mato Grosso, os governos estaduais disseram não pagar emenda Pix, apesar de autorização nas leis estaduais.

A emenda Pix, revelada pelo Estadão, é um dinheiro indicado por parlamentares para suas bases eleitorais e repassado diretamente a Estados e municípios. O mecanismo foi criado em 2019 pelo Congresso Nacional na União e em seguida se disseminou pelos Estados.

O dinheiro era transferido sem nenhuma informação sobre o que seria feito com a verba, e não havia prestação de contas. No âmbito federal, o STF passou a exigir que os municípios apresentem planos de trabalho falando o que farão com o recurso e relatório com a prestação de contas.

Parlamentares terão que informar qual projeto será bancado no momento da indicação, o que não acontecia antes. O governo federal, por sua vez, deve dar transparência a todas essas informações e só enviar o recurso se as exigências forem cumpridas. Os Estados escaparam do controle.

“Os parlamentares dos Estados olham para o Congresso Nacional e veem deputados e senadores controlando fatias cada vez mais maiores do Orçamento da União, distribuindo os recursos de forma pouco técnica e se beneficiando disso politicamente. O que os parlamentares dos Estados devem estar se perguntando é: Por que não também com a gente?” diz o gerente do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional, Guilherme France.

“É como se hoje os parlamentares estaduais estivessem sujeitos às regras do orçamento secreto de 2020. Se não há nem transparência, nem capacidade de entender para onde esse dinheiro está indo, temos dificuldade para avaliar se esses recursos estão sendo bem gastos”, complementa o especialista.

Estados aumentam emendas e falham em dar transparência

A adoção da emenda Pix veio acompanhada de um aumento do valor total das emendas nos orçamentos estaduais, que incluem as emendas Pix e as emendas tradicionais, aquelas que são carimbadas para áreas específicas, como a saúde.

Estudo publicado pela Consultoria de Orçamento da Câmara mostra que 23 Estados possuem emendas impositivas, totalizando R$ 11,2 bilhões em 2025. Minas Gerais lidera em valor absoluto (R$ 2,2 bilhões) e o Distrito Federal em valor por parlamentar (R$ 30,3 milhões). Em Roraima, as emendas superam os investimentos do governo estadual em 134%.

A Constituição estabelece que as emendas individuais, indicadas por cada deputado federal e senador, podem ser aprovadas no limite de 2% da receita corrente líquida da União. As assembleias legislativas aumentaram os recursos para se aproximar do mesmo teto nos Estados.

Em Alagoas, os deputados estaduais aumentaram o limite de 1% para 1,55% em 2024. Na Paraíba, foi estabelecido um calendário de aumento progressivo, chegando a 2% da receita em 2027, conforme o levantamento da Transparência Internacional.

O Acre foi além e pôs fim ao valor de R$ 24 milhões para as emendas parlamentares e determinou que a Assembleia do Estado vai determinar a fatia a cada ano. Esses Estados mantém portais na internet com relatórios sobre as despesas públicas, mas não há detalhamento sobre o uso dos recursos das emendas Pix na ponta.

São Paulo oficializou a emenda Pix no orçamento estadual em 2021. O Estado divulga o nome dos parlamentares, os valores repassados e os municípios contemplados, mas faltam detalhes sobre como os recursos são gastos nos municípios. O Tribunal de Contas do Estado cobrou o governo estadual pela falta de transparência e por repassar o dinheiro sem exigir plano de trabalho prévio.

A Assembleia Legislativa de São Paulo afirmou ao Estadão que a transferência especial — como é chamada tecnicamente a emenda Pix — está prevista na Constituição Federal e na Constituição do Estado e está sujeita às determinações legais.

“Como qualquer recurso público, deve ser rastreável e sua aplicação transparente, sujeitas aos órgãos de controle interno (controladorias) e externo (Tribunal de Contas do Estado)”, disse o legislativo paulista.

O governo de São Paulo declarou que a emenda pix é uma modalidade prevista para as emendas parlamentares e que as prefeituras devem abrir uma conta bancária específica para comprovar o cumprimento da legislação no emprego das verbas. “A prestação de contas dos municípios é feita diretamente ao Tribunal de Contas do Estado (TCE)”.

Minas Gerais foi um dos primeiros Estados a aprovarem a emenda Pix, ainda em 2019, no mesmo ano em que o Congresso Nacional criou o repasse especial no nível federal. No portal da Transparência do governo mineiro, é possível encontrar relatórios sobre o pagamento das emendas Pix, mas não há descrição sobre os projetos e obras executados, e esse detalhamento só existe para outros tipos de emenda.

A Assembleia Legislativa de Minas afirmou que a adoção do modelo segue “o paralelismo com a legislação federal” e que a prestação de contas cabe aos municípios.

O governo de Minas disse ao Estadão que as emendas especiais, por natureza, dispensam a celebração de convênio, assim como no nível federal, e que, por medida de transparência, o Estado publica o município beneficiado, o valor do repasse, o grupo de despesa (custeio ou investimento) e o autor da emenda.

A fiscalização cabe ao Tribunal de Contas do Estado, ressaltou o Executivo mineiro. “Sendo assim, a transparência e a boa aplicação dos recursos de emendas parlamentares são asseguradas por meio de um conjunto de medidas normativas, operacionais e de controle.”

Santa Catarina chegou a transformar todas as transferências do Estado para os municípios em emendas Pix, incluindo aquelas decidias diretamente pelo governador, como o Estadão mostrou, mas o modelo foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, Santa Catarina continua com a emenda Pix parlamentar.

No Estado, o limite para as emendas individuais subiu de 1% para 1,55% no ano passado. O governo catarinense criou um portal para divulgar a execução dos recursos. É possível consultar o nome do parlamentar, o município que se beneficiou da emenda, os valores pagos e a descrição da obra, mas não há documentos como o plano de trabalho e a prestação de contas.

Segundo o governo de Santa Catarina, há regras estabelecendo que os valores repassados aos municípios devem ser executados exclusivamente conforme os objetos previstos na Lei Orçamentária Anual, ou seja, não dá para um município receber o recurso para um projeto e gastar em outra obra.

Ainda segundo a gestão estadual, as ferramentas de consultas permitem o acompanhamento das emendas. “As emendas parlamentares seguem regras transparentes em Santa Catarina e o Governo do Estado deixa disponíveis uma série de ferramentas para consulta por parte da população.”

Rio de Janeiro e Ceará criaram a emenda Pix por lei complementar, diferentemente dos outros Estados, que colocaram o mecanismo nas constituições estaduais. O governo do Rio afirmou à reportagem que “não existe a modalidade de emenda Pix” e recusa o apelido do repasse. Segundo a gestão fluminense, as transferências especiais (nome técnico) “seguem as mesmas regras de transparência das demais emendas impositivas.”

O governo fluminense diz publicar todas as informações sobre os repasses, incluindo autor, unidade executora, ação, objetos a serem executados e todos os beneficiários. No link enviado à reportagem, há listas com as emendas indicadas pelos parlamentares no Orçamento do Estado e o processo de execução orçamentária (quanto foi pago, por exemplo), mas não há detalhes sobre como os recursos são gastos nas prefeituras.

No Ceará, conforme o levantamento da Transparência Internacional, as emendas não têm pagamento obrigatório e a emenda Pix foi criada no âmbito do Programa de Cooperação Federativa, controlado pelo Executivo.

A Assembleia do Ceará afirmou ao Estadão que não há “nenhum projeto de lei relacionado às emendas de transferências especiais”, apesar de uma lei complementar ter instituído o modelo.

“O Ceará, inclusive, é um dos poucos estados brasileiros que não possuem previsão de emendas parlamentares impositivas no orçamento. Assim, os deputados estaduais podem apenas indicar a destinação da verba, mas a execução fica a critério do Executivo”, disse o legislativo cearense.

No Maranhão, embora a emenda Pix tenha sido aprovada pela Assembleia Legislativa, o governo do Estado afirmou à reportagem que, o modelo não é adotado pelo Executivo apesar de autorização da legislação estadual.

Da mesma forma, o governo de Mato Grosso afirmou que não executa a modalidade e que as emendas obedecem a critérios tradicionais, com a celebração de convênios ou outros instrumentos, “o que assegura maior rastreabilidade dos recursos e a boa aplicação do dinheiro público.”

A Assembleia Legislativa do Piauí afirmou que a emenda Pix foi aprovada “em espelhamento ao modelo federal, tendo por base o princípio constitucional da simetria federativa”. Há, porém, uma regra diferente no Estado: pelo menos 40% dos recursos devem ser aplicados em investimentos – na União, a exigência é de 70%.

“A Assembleia Legislativa do Estado do Piauí permanece atenta e acompanha as proposições legislativas do Congresso Nacional, bem como as decisões do Supremo Tribunal Federal, buscando permanentemente atualizações nas normas do ordenamento jurídico piauiense que fortaleçam a transparência e a eficiência na administração pública.”

O governo de Sergipe disse que disponibiliza um portal da transparência onde é possível localizar os nomes dos autores das emendas, valores, beneficiários e áreas de aplicação. No link enviado, não há detalhamento sobre os projetos e obras bancados com os recursos. Segundo o governo estadual, os gastos devem ser registrados pelos municípios, que prestam contas ao Tribunal de Contas do Estado.

O governo de Goiás disse que, para liberar as emendas Pix, exige orçamento detalhado, projetos básicos e planos de trabalho dos municípios, com a identificação do objeto a ser executado. A prestação de contas, por sua vez, é de responsabilidade dos municípios. “A garantia da boa aplicação do dinheiro público é uma obrigação do ente municipal beneficiário da emenda parlamentar.”

A Assembleia Legislativa do Tocantins disse que “não existe as chamadas emendas pix” no Estado e que as transferências especiais foram aprovadas na Constituição Estadual com o objetivo de equiparação com a Câmara dos Deputados.

Segundo o Legislativo do Tocantins, as emendas são pagas mediante a apresentação de um plano de trabalho e prestação de contas perante o Tribunal de Contas do Estado. O plano de trabalho e a fiscalização dos órgãos competentes “são as ferramentas possíveis para garantir a transparência na liberação desses recursos”, afirmou a Assembleia do Tocantins.

As demais assembleias legislativas e governos estaduais ainda não responderam.

 

 

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