O cidadão qualificado é fator determinante no combate à corrupção
Imagine que o governo abre as portas de sua casa, com cômodos públicos internos abertos para acesso, permitindo que os cidadãos entrem e não apenas vejam o que está acontecendo lá dentro, mas também permita que colabore com as decisões orçamentárias governamentais. Porém, para que isso seja efetivo é fundamental que os cidadãos entendam o que está sendo tratado e as regras que estão sendo em jogo.
No combate à corrupção, a transparência por si só não resolve. Além disso, a participação precisa ser qualificada. Neste contexto, a força motriz para a geração do resultado efetivo é o engajamento cidadão qualificado. Assim, bons exemplos disso, seria o engajamento ativo da sociedade na fiscalização das ações do governo, na avaliação de políticas e na defesa do interesse de todos.
Vale destacar aqui que o Brasil se mostra atualmente como um caso paradoxal, onde estudos e experiências na administração pública brasileira revelam que o Brasil é reconhecido internacionalmente por disponibilizar um grande volume de informações sobre o orçamento, mas por outro lado se apresenta com baixa participação efetiva da população nesse processo. Ou seja, para reduzir a distância entre a informação disponível e o seu uso prático mostra que não basta criar canais de participação. É preciso que os cidadãos sejam capacitados para usá-los de forma eficaz, ativando o engajamento qualificado do cidadão.
A Diferença entre Simplesmente Participar e Engajar Qualificadamente
A história recente do Brasil é rica em mecanismos de participação, porém também mostra seus desafios em ser efetivos. Por exemplo, o Orçamento Participativo, uma inovação brasileira que ganhou o mundo, vem perdendo força ao longo dos últimos anos. Ademais, plataformas digitais, criadas para facilitar o diálogo entre governo-cidadãos, muitas vezes não saem do nível de simples consulta, sem gerar impacto real nas decisões do governo, de modo a gerar descrédito junto à sociedade.
Então, é neste momento que entra a importância das premissas para a ocorrência do engajamento qualificado, quais sejam:
- Informação – O cidadão precisa das ferramentas para entender dados complexos do orçamento. Não se trata de ser um especialista, mas de ter acesso a informações em linguagem clara e a programas de educação fiscal (transparência).
- Estruturação – Ações organizadas e com metodologia tendem a gerar mais resultados. A interação voluntária da sociedade (participação) é importante, mas quando ele é canalizado de forma técnica, seu impacto tende a ser muito maior.
- Impactação – A participação precisa gerar uma resposta (responsividade). Quando o cidadão se manifesta e o poder público não dá retorno, a frustração desestimula futuras ações. É fundamental que as instituições processem e respondam às demandas da sociedade.
O Caso dos Observatórios Sociais
A rede dos Observatórios Sociais do Brasil, atualmente, é um excelente caso de engajamento qualificado em ação no Brasil. Os Observatórios são organizações formadas por cidadãos voluntários (contadores, advogados, empresários entre outros profissionais) que atuam de forma padronizada para monitorar as compras públicas em seus municípios.
Na prática, os Observatórios usam os dados dos portais de transparência para analisar licitações e atos administrativos dos órgãos públicos de diversos entes. Por exemplo, ao identificarem um edital com preço acima do mercado para a compra de medicamentos ou para a reforma de uma praça, os observatórios agem tecnicamente pedindo a impugnação do edital, notificando o Tribunal de Contas e o Ministério Público, ao tempo que também dialogam com os gestores responsáveis. Essa atuação, focada e técnica, gera economia aos cofres públicos, mostrando que cidadãos organizados são fiscais efetivos do dinheiro público.
Um fato relevante de ser relatado foi o Observatório Social de Brasília, que protocolizou um pedido de cassação de mandato do deputado distrital por quebra de decoro parlamentar. A representação foi motivada por um episódio ocorrido recentemente (agosto de 2025), no qual o parlamentar teria se envolvido em uma situação policial em que tentou utilizar de seu cargo para se esquivar da abordagem. O caso ganhou notoriedade e gerou forte repercussão negativa, levando o deputado a solicitar uma licença de 60 (sessenta) dias para tratamento de saúde mental.
Desta forma, para transformar o potencial de controle social (accountability vertical) em realidade, especialistas defendem um conjunto de ações práticas:
- Educação Cidadã – Investir em programas de educação cívica, fiscal e digital nas escolas e para o público em geral, capacitando as pessoas a interpretarem dados e entender os processos do governo.
- Apoio a Modelos de Sucesso – Disseminar e apoiar metodologias que já se provaram eficazes, como no caso dos Observatórios Sociais, para que mais cidades possam se beneficiar desse tipo de controle.
- Garantia de Resposta – Criar mecanismos que obriguem o poder público a dar um retorno claro e em tempo hábil para as contribuições e denúncias feitas pela população, fechando o ciclo da responsabilização.
- Inclusão – Desenvolver estratégias para engajar grupos que normalmente são pouco ouvidos, como os mais vulneráveis e as minorias, garantindo que a democracia seja verdadeiramente representativa.
Conclusão
O combate à corrupção não deve ser uma tarefa exclusiva de juízes e policiais. Construir uma nação mais íntegra e próspera começa com a busca pela atitude cidadã de passar da indignação passiva para a ação ativa e informada. Portanto, a força para mover o Brasil para uma efetiva prosperidade e integridade está nas mãos de uma sociedade engajada e qualificada.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica.
