26 de setembro de 2025
Politica

Corrupção na Fazenda: lobista fez ata de reuniões e registrou ‘programação das divisões de remessas’

Um caderno com manuscritos apreendido na casa do lobista Celso Éder Gonzaga de Araújo na Operação Ícaro reforça as suspeitas do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) sobre o vínculo estável de envolvidos no esquema de propinas bilionárias instalado na Secretaria de Estado da Fazenda e Planejamento de São Paulo.

Os promotores que conduzem as investigações da Operação Ícaro, deflagrada no dia 12 de agosto, encontraram com o lobista anotações sobre reuniões para a prospecção de “clientes”, com uma espécie de ata dos encontros, além de registros de controle das empresas atendidas e “programação das divisões de remessas”.

Caderno apreendido com Celso Éder Gonzaga de Araújo.
Caderno apreendido com Celso Éder Gonzaga de Araújo.

A Promotoria avalia que o achado abre caminho para ampliar suas investigações sobre casos de corrupção na Fazenda estadual envolvendo pedidos de restituição de ICMS-ST. Nos corredores da sede da Fazenda, auditores estimam que a rede de propinas teria amealhado R$ 11 bilhões – apenas o auditor fiscal de Rendas Artur Gomes da Silva Neto ganhou R$ 1 bilhão via acordos ilícitos com grupos empresariais, diz o MP.

A Operação Ícaro prendeu Artur, apontado como cabeça do esquema. Ele pediu demissão do cargo.

Anotações foram citadas pelo Ministério Público em denúncia.
Anotações foram citadas pelo Ministério Público em denúncia.

Depois de prender o auditor fiscal e de apresentar duas denúncias contra ele e seus aliados, o Grupo Especial de Repressão de Delitos Econômicos (Gedec), braço do MP que cuida do caso, decidiu aprofundar o inquérito em relação ao crime de organização criminosa.

As denúncias foram divididas segundo as empresas beneficiadas no esquema. Em agosto, o Ministério Público denunciou as propinas da Ultrafarma e da Fast Shop – gigante do varejo de eletros que confessou ter pago propina de R$ 400 milhões a fiscais.

Em setembro, a denúncia implicou a Rede 28, de postos de combustíveis, que teria repassado R$ 6,6 milhões aos fiscais, segundo a investigação.

O auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, teria arquitetado esquema de propinas.
O auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, teria arquitetado esquema de propinas.

As denúncias foram oferecidas porque o Ministério Público considerou que já havia provas suficientes de autoria e materialidade em relação a esses crimes, ou seja, de que eles aconteceram com envolvimento dos auditores e de seus aliados.

Foram acusados, além de Artur, a mãe dele, Kimio Mizukami da Silva, uma professora aposentada que teria sido usada como “laranja” das propinas, os fiscais Marcelo de Almeida Gouveia e Alberto Toshio Murakami (aposentado), as contadoras Fátima Regina Rizzardi e Maria Hermínia de Jesus Santa Clara e o lobista suspeito de lavar dinheiro do esquema Celso Éder Gonzaga de Araújo, além da mulher dele, Tatiane da Conceição Lopes de Araújo.

A advogada Suzana Camargo, que representa Celso e Tatiane, nega que eles tenham envolvimento no esquema. A defesa de Artur não comentou as denúncias. O Estadão não localizou as demais defesas.

Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo cassou aposentadoria de ex-auditor.
Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo cassou aposentadoria de ex-auditor.

Os promotores do Gedec avaliam, no entanto, que o grupo também pode ser enquadrado por organização criminosa porque se uniu para a “exploração profissional” da corrupção, “constituindo-se como se fossem uma corporação, com uma estrutura hierárquica e a divisão de tarefas de maneira funcional”.

A informação consta na última denúncia do caso. “É cediço que a prática de fraudes fiscais estruturadas é uma empreitada complexa, e a sua realização com eficiência e longevidade – como no caso em voga – depende de um modelo sofisticado de atuação”, sinalizou o Ministério Público.

Os promotores afirmaram ainda que cada denunciado tinha atribuições definidas e consciência de que estava ajudando na “execução de um todo indiviso”. Esses são pré-requisitos para a caracterização de uma organização criminosa – associação de pelo menos quatro pessoas, estruturalmente ordenada e com divisão de tarefas.

Segundo a investigação, as empresas que “contratavam” os “serviços” do grupo tinham tratamento privilegiado do início ao fim do processo de restituição de ICMS. Esse é um procedimento burocrático e complexo, que pode durar anos. Empresários recebiam orientações detalhadas sobre a documentação necessária e auxílio para protocolar os pedidos na Secretaria da Fazenda. Em uma segunda etapa, os fiscais agiam para acelerar os requerimentos, passados na frente da fila, e para liberar os pedidos de restituição de acordo com o MP.

 

 

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