29 de setembro de 2025
Politica

A sorte de Lula é ter Trump como contraponto e Alckmin como vice

O presidente Lula teve seu momento Fernanda Torres na semana passada. Sua participação na abertura da Assembleia Geral da ONU inundou a internet com ufanismo patriótico e memes de enaltecimento, atribuindo-lhe qualidades como carisma irresistível, habilidade política e até dom para a sedução. Tudo isso porque o presidente Donald Trump disse que havia rolado “uma química” entre ele e Lula durante uma rápida conversa nos bastidores, logo após o brasileiro descer da tribuna, de onde fez um discurso com trechos muito duros endereçados ao governo americano.

Lula usou boa parte de seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU para criticar o governo Trump por medidas “unilaterais e arbitrárias” contra instituições brasileiras
Lula usou boa parte de seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU para criticar o governo Trump por medidas “unilaterais e arbitrárias” contra instituições brasileiras

Apesar de, tradicionalmente, o representante dos Estados Unidos, o país anfitrião, discursar imediatamente após o chefe de Estado brasileiro na Assembleia Geral da ONU, é uma raridade escutar menções diretas ao Brasil nas falas dos presidentes americanos. Desde o fim da ditadura militar, isso havia ocorrido apenas uma vez: em 2003, George W. Bush homenageou o diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello, morto em um atentado terrorista no Iraque um mês antes.

O Brasil nunca esteve no foco dos discursos dos presidentes americanos na ONU por um bom motivo: nas últimas décadas, os dois países mantiveram uma relação bilateral proveitosa e sem grandes sobressaltos. A potência regional da América do Sul não estava no centro das preocupações globais dos Estados Unidos. A recente crise entre os dois países foi inteiramente fabricada por Trump, que impôs tarifas de importação absurdamente altas sobre produtos brasileiros e tratou de se meter, publicamente, em assuntos políticos e judiciais internos do Brasil — em entrevistas, postagens nas redes sociais e sanções a autoridades locais.

Lula assumiu seu terceiro mandato disposto a promover-se como um líder global, dentro do que o seu núcleo de assessores externos define como um cenário crescentemente multipolar. Seus dois primeiros anos no governo não deram sinais de que esse objetivo seria alcançado. O mundo vem há anos caminhando para uma realidade cada vez mais bipolar, com a ascensão da China para antagonizar com os Estados Unidos. O poder de influência do Brasil é limitado.

Por isso, interpretar as menções de Trump a Lula em seu discurso na ONU como uma prova do crescente protagonismo e da liderança do presidente brasileiro, como têm feito os militantes petistas nas redes sociais, é um tremendo exagero. Mas não há dúvida de que o contraste entre os discursos de Lula e Trump deu ao primeiro a chance de explorar uma notoriedade internacional momentânea e de se vender como um estadista dentro do Brasil. Com Trump despejando falas xenófobas, negacionistas ou flagrantemente mentirosas, fica mais fácil esconder as contradições da própria diplomacia lulista, com seu histórico de defesa de ditaduras de esquerda. Lula, portanto, deu sorte em ter Trump como contraponto.

De resto, o presidente americano aceitou dialogar com Lula não por conta do “charme” do petista, mas porque quer arrancar concessões concretas do Brasil. A campanha do filho de Jair Bolsonaro e de um influenciador de extrema-direita para que os Estados Unidos punissem os brasileiros coletivamente, com o objetivo de livrar o ex-presidente das garras da Justiça, acabou sendo útil a Trump. Deu-lhe uma justificativa para as medidas mercantilistas e uma chance de se apresentar como paladino da liberdade de expressão. Mas o que ele quer mesmo é que Lula ceda em temas como a regulamentação das big techs, o favorecimento aos Estados Unidos na exploração de minerais estratégicos, o abandono de planos de desdolarização do comércio global e a derrubada de algumas tarifas para setores específicos — pouco relevantes, mas com lobby forte em seu país. Ele não terá pudores em rifar Bolsonaro nesse processo.

Lula também teve a sorte de poder contar com atuação do vice Geraldo Alckmin, que desde antes da entrada em vigor do tarifaço vem mantendo contatos com autoridades americanas, contornando a sabotagem da dupla de conspiradores bolsonaristas. Com o duplo mandato de vice-presidente e de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Alckmin teve a ajuda do Itamaraty para avançar no campo técnico das negociações, com ponderação e pragmatismo, dando espaço para que Lula marcasse terreno contra Trump no âmbito político, colhendo frutos internos (recuperação de popularidade) e externos (prestígio momentâneo).

Mesmo que as conversas entre Lula e Trump sejam um fiasco, tudo isso é muito ruim para a oposição bolsonarista, que apostou contra o Brasil. Se os contatos com os Estados Unidos naufragarem, Lula poderá dizer que foi por teimosia de Trump. Se derem resultados, ele sairá da história como grande negociador.

 

 

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