30 de setembro de 2025
Politica

Os juízes e o turning point dos 60 anos

A referência de anos em 60, evidentemente, é simbólica, um ou dois a mais, ou a menos, pouco importa. No caso das magistradas, às quais abrirei um item especial, é de 55 anos. O que vale é a difícil decisão: continuar ou aposentar-se. O que aqui se diz foca nos juízes, porém aplica-se, em maior ou menor expressão, a outras carreiras jurídicas, principalmente ao Ministério Público.

O quadro típico

Cabelos prateados, pais fragilizados ou que já se foram, força física em declínio a exigir exames, academia nem sempre por prazer, ferimentos pelos golpes da vida, que vão de leves a graves, ilusões em velocidade moderada. Do ponto de vista profissional, muita experiência acumulada ao longo dos anos.

É com esse forte conhecimento que chegam os juízes aos 60 anos. Não pertencem à geração Y ou Z, mas sim à “geração prateada” que, segundo levantamento da FGV, com base em dados do IBGE, alcança no Brasil cerca de oito milhões e meio de pessoas [1].

Já inclinados a lembranças, recordam com orgulho do concurso realizado há cerca de 30 anos, da expectativa terrível no sorteio do ponto, do examinador rigoroso, das perguntas na entrevista e da explosão de alegria com a proclamação do resultado final: aprovado.

Percorreram a carreira, promoções, remoções, alegrias e tristezas e eis que de repente, não mais que de repente, como dizia Vinicius de Morais, assustam-se ao receber parabéns pelos 60 anos.

Tais limites etários, pelos critérios da última reforma previdenciária e pelo “pedágio” a que os mais antigos tinham direito, permitem jubilar-se imediatamente ou dentro de 1 ou 2 anos. A consequência imediata é festejar, pois, reconhecido o direito à aposentadoria, vulgarmente conhecido como “pé na cova”, não estão mais obrigados a recolher a contribuição previdenciária. Mas a possibilidade de retirar-se passa a ser também uma preocupação.

Perspectivas de carreira

Em termos de carreira, as perspectivas do juiz sexagenário são diferentes a partir do gênero. Por força da Resolução CNJ 525, de 27 de setembro de 2023 [2], as mulheres terão maior oportunidade de acesso à segunda instância, pois possuem preferência na promoção até que alcancem 40% do número total de desembargadores. Para os homens, desta forma, abre-se apenas a hipótese da antiguidade, pois a vaga de merecimento não lhes será ofertada por certo tempo. Uma espera que pode alcançar muitos anos.

Aos que estão em segunda instância, a perspectiva é vir a ocupar cargos de direção, talvez chegar à presidência da corte. No entanto, nem todos têm tal ambição, por falta de vocação política ou administrativa.

Outra alternativa é disputar vaga no STJ. Mas muitos não têm interesse, pelas dificuldades e consequências que isso acarreta. Apesar disso, a cada cargo vago o número de candidatos aumenta. As vagas são poucas e, ao contrário do princípio bíblico “A messe (colheita) é grande, mas os trabalhadores são poucos” (Mt 9,37), no caso a messe é pouca e os trabalhadores (candidatos) são muitos.

Porém, seja qual for a situação, a verdade é que o turning point dos 60 anos cria em todos a dúvida shakesperiana, to be or not to be. No caso, ficar ou sair.

Fatores a serem considerados

A difícil opção, além do drama existencial, passa necessariamente por alguns fatores:

  1. Perda de poder. Ser juiz é exercer cargo de poder, ser tratado com distinção, participar ativamente das mudanças sociais. Ao deixar o cargo, como é natural, isso termina. Lembro-me, quando era um jovem promotor de 25 anos, de ouvir o lamento de um desembargador aposentado: “agora nem o Diário Oficial eu recebo”. É preciso estar psicologicamente preparado para a nova situação, porque ela é inevitável.
  2. O que fazer? Alguns optam por não fazer nada além de aproveitar o tempo em atividades prazerosas. Ótimo. Mas esse tempo pode tornar-se um vazio existencial. E aí surgem as dificuldades. Advogar é a primeira opção. A garra, a luta, foram-se com os anos e o sistema ficou mais complexo. E quando um grande escritório convidá-lo, o interesse maior será no seu relacionamento, pois mestres e doutores em Direito estão disponíveis no mercado. Ser professor, só se já era antes. Começar será difícil, pois as faculdades exigem titulação. E os alunos não são os do seu tempo, o relacionamento com o professor é outro.
  3. Perda salarial. Essa é significativa e passa pela perda de gratificações, obrigatoriedade de contribuir para o órgão previdenciário e, no reconhecimento de direitos e pagamentos, ser  contemplado com a última chamada. Nesta fase da vida há compromissos financeiros com pagamento de imóvel, filhos em faculdades (se for Medicina…), parentes em má situação e assemelhados. Ter dinheiro é essencial.
  4. Rotina cansativa. Na mesma comarca ou na mesma Vara da capital, a rotina pode ser maçante. Não é fácil ficar anos a fio com a mesma matéria, os mesmos problemas, as mesmas ou maiores dificuldades, os relatórios para os órgãos de controle cada vez mais exigentes e ter que acessar plataformas distintas. Além disso, a dor silenciosa de ver os colegas deixarem seus cargos e os novos chegarem com outros hábitos. Ser reconhecido como decano vale, mas ser tratado por tio justifica até uma legítima defesa da honra.
  5. Prazo de opção. O marco de 60 anos para começar ou terminar alguma coisa é um prazo não previsto em lei alguma. Mas, ainda que silencioso, ele é bem rigoroso. Se não for cumprido logo, poderá impor sanções. A cada ano que passa, o interessado estará mais velho, seu ânimo e oportunidades poderão diminuir. Se não é fácil começar nova vida aos 60, menos ainda será aos 70 anos.

A opção de ficar

Após muito pensar, discutir com a família, amigos, eventuais interessados em seus serviços, vem a decisão: fico. Ótimo. Mas daí será preciso ficar bem. Isso significa adaptar-se a novos hábitos, práticas e exigências.

A opção será desastrosa se, desiludido com o sistema, o magistrado passar a destratar as pessoas com quem convive e dele dependem, como os servidores, advogados e testemunhas. Ou entregar-se ao ócio não criativo, o oposto do pregado por Domenico de Masi, deixando os processos abandonados à sua própria sorte, impondo às partes o sofrimento da espera. Pior ainda se tornar-se um rabugento crítico permanente de qualquer tentativa de aprimoramento que se proponha.

A opção de ficar exige, mais do que tudo, saber viver. E isso começa valorizando-se o que se tem. Se o ficar sem querer for a triste realidade, o ficar por querer, mesmo sem grandes perspectivas de carreira, pode ser bom.

A maturidade dos 60 dá mais segurança, compreensão da vida, do mundo, da falibilidade humana. O juiz pode ser mais humano, tolerante. Provavelmente será mais velho e antigo na carreira que o corregedor e isso lhe assegura no mínimo mais respeito. Não ambiciona mais nada, o que dispensa comparecer a solenidades e ouvir discursos pouco sedutores. Tendo bons assessores, estimulados a avançar profissionalmente, o ambiente de trabalho será agradável e o fardo será menor. Em suma, pode ser bom.

Mulheres magistradas

O número de mulheres aprovadas em concursos cresceu nos últimos tempos. Mais dedicadas e estudiosas durante toda a vida, têm mais facilidade no domínio da matéria. Em sua maioria, equilibram-se entre a família, a casa e o trabalho. Por isso gozam o benefício de aposentar-se cinco anos antes dos colegas do sexo masculino. Em termos de carreira, as mulheres costumam ser menos sedentas de poder. Muitas rejeitam a presidência. Valorizam mais a família do que os homens e sabem encontrar prazer em atividades fora da Justiça.

Por força da Resolução CNJ 525/2023 já mencionada, as juízas de primeira instância estão experimentando uma situação única no Judiciário brasileiro, ou seja, o acesso facilitado à segunda instância. Um prêmio inesperado que o destino lhes reservou.

Conclusão

Essa é a curva de vida, o “Cabo das Tormentas” que todos devem enfrentar aos 60 anos. Não será diferente na base para outras carreiras ou profissões jurídicas. Mas é mais acentuado para a magistratura que, a par do maior poder que desfruta, está sempre sujeita a uma severa vigilância da sociedade. Saber contornar as dificuldades exige maturidade e sabedoria e isso se aprende mais prestando atenção nos exemplos próximos do que nos livros.

[1] Globo.com G1, 19/07/2025. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/07/19/geracao-prateada-mais-de-85-mi-de-brasileiros-com-mais-de-60-anos-ainda-trabalham.ghtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=materias. Acesso em 25 set. 2025.

[2] CNJ, Resolução 525, de 27 de setembro de 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5277. Acesso em 25 set. 2025.

Artigo publicado originalmente na revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur)

 

 

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